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sábado, 10 de dezembro de 2011

SOBRE TERESINA MEU AMOR

Tendo nascido em Barras, município do hinterland piauiense, e estudado no Rio de Janeiro, terra de tudo para todos, em nenhuma das duas cidades encontrou o autor deste livro o clima e a paisagem adequados aos seus ideais de vida.

Nos seus discursos, nas suas crônicas e nos seus diálogos informais aparece com freqüência o sinal de um amor profundo pela terra que já teve o cuidado de lhe oferecer, com injustificável atraso, um título de cidadania. Esta terra é Teresina.

Pois a Teresina de clima combatido por muitos e de gente com defeitos e virtudes comuns a todas as comunidades é o alvo desta obra produzida com especial carinho por quem na verdade a ama com sinceridade profunda.

Mas A. Tito Filho pretende ir mais longe na afirmação do seu interesse por tudo aquilo que diz respeito à capital do Piauí.

Alimenta ele o desejo de escrever completa literatura sobre as ruas desta cidade, invocando principalmente os nomes antigos de certas artérias - nomes bonitos que cederam lugar a homenagens ditadas por manobras inspiradas em irrefreáveis impulsos bajulatórios.

A. Tito Filho pretende registrar designações como Rua Bela, Rua da Estrela, Rua dos Negros, Rua Palmeirinha, Barrocão, Estrada do Gado, Alto da Moderação, Rua dos Cajueiros, Macaúba e tantas outras agora com denominações diferentes, cada qual despida dos sinais de um tradicional que já vai longe.

Mas Teresina Meu Amor, o livro que aqui está, já comprova, em toda sua dimensão, o respeito e a admiração do seu autor às figuras, instituições e coisas da capital do Piauí.


Deoclécio Dantas. In: Teresina Meu Amor – 2ª edição aumentada. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. 

SOBRE UMA REEDIÇÃO DE TERESINA MEU AMOR

Este livro foi publicado em 1973 pela COMEPI.

Os termos e espaços mencionados são datados da época do lançamento.

Nesta nova edição, em homenagem ao sesquicentenário de Teresina, preferimos não alterar absolutamente nada nem comentar os fatos passados.

O Livro sai tão puro como nasceu, apenas com a inserção da última parte "Em cada Coração uma Saudade", e o depoimento redigido pela filha do autor, a Drª. Scarlett O'Hara de Matos Tito Fernandes, hoje casada e residente em Belém do Grão Pará. Este depoimento mostra de maneira carinhosa um pouco da vida do nosso querido professor A. Tito Filho. O trabalho torna-se mais rico com a publicação de diversas fotos de sua vida e história.

A publicação desta obra foi possível graças à Presidente da FUNDEC, professora Aldenora Vasconcelos Mesquita, e ao Governador Hugo Napoleão.

José Elias Arêa Leão. In: Teresina Meu Amor. Edição comemorativa do Sesquicentenário de Teresina. Teresina: COMEPI, 2002. 

sábado, 3 de dezembro de 2011

ANÍSIO BRITTO: UMA NOVA CONCEPÇÃO DA HISTÓRIA

São dezesseis anos de presidência da Academia Piauiense de Letras. Dezesseis anos de rememorar aqueles que se foram e que, com o passar do tempo, atingiram os 100 primeiros anos de vida se vivo fossem. Assim fizemos com Antonino Freire, com Abdias Neves, com Pedro Brito, com Matias Olímpio... E já em 1987, outros membros da Academia se encontrariam na mesma idade, como José de Arimathéa Tito, Zito Batista, Esmaragdo de Freitas e Sousa, Celso Pinheiro. De verdade, é necessário que se rememorize o que esses homens gravaram na gratidão do seu Piauí. O ano passado procuramos D. Carlota de Brito Melo, a fim de que ela nos fornecesse os principais trabalhos históricos de Anísio Brito. Por uma desconfiança natural, a desconfiança de que nós não restituíssemos as coleções de jornais, os exemplares únicos deixados pelo esposo, Carlota nos recusou o obséquio. E nós lhe aprovamos a atitude justificada pelo receio de não receber de volta a produção histórica de Anísio de Brito Melo. Mas, aproximando-se o centenário do notável conterrâneo, fizemos levantamento quase completo de seus traços biográficos, dos cargos exercidos, dos serviços prestados ao Piauí e da sua produção histórico-educacional. Mandamos este humilde trabalho ao Governador Bona Medeiros, ao Presidente da Assembléia Legislativa e especialmente ao Deputado Ribeiro Magalhães, conterrâneo do saudoso escritor. Enviamos o trabalho ao Presidente do Tribunal de Justiça e especialmente ao Desembargador Manfred Cerqueira, nascido em Piracuruca - a mesma terra natal do homenageado. Enviamos esse resumo à Secretaria de Cultura, a Colégios, à Universidade, a todos os instrumentos de divulgação de massa de Teresina: jornais, rádios, televisões. Anísio deveria receber dos piauienses as homenagens que a sua memória reclama e merece. Anísio de Brito chegou a Teresina, vindo da modestíssima cidade de Piracuruca, onde exercia funções profissionais de dentista, nos primeiros tempos deste século. Pretendia tentar a vida na Capital, de mais horizontes, de mais conforto, de mais rentabilidade no exercício profissional. E em chegando a Teresina encontrou um ambiente de efervescência de idéias, um ambiente de renovação intelectual, pelo qual foram responsáveis Higino Cunha, Clodoaldo Freitas, Anísio de Abreu, Abdias Neves. Justamente os bacharéis que vinham modificados no seu espírito e na sua inteligência pela famosa e ainda discutida Escola do Recife, com os seus pontífices maiores: Tobias Barreto e Sílvio Romero. Neste ambiente de pregação naturalista, anticlericalista, ambiente de ateísmo confessado, neste ambiente, Anísio recusaria os instrumentos do odontólogo e aderia a conceitos novos e seguia outros caminhos. Tornou-se professor. Ascendeu à direção do Colégio Estadual, na época Liceu Piauiense. No governo João Luís Ferreira, diretor da Instrução Pública. Mantido por Matias Olímpio, depois reconduzido por Landri Sales e finalmente sustentado por Leônidas Melo. Quatro vezes no cargo hoje correspondente a Secretario de Educação. Realizou reforma do ensino, abdicou dos métodos de Lancaster adotados na escola primária. Realizou modificações na educação física, contratando técnicos do sul para este mister nas escolas secundárias do Piauí. Inaugurou o gosto do canto orfeônico e só deixou a paixão pelos motivos educacionais quando Leônidas de Castro Melo lhe entregou tarefas que antes já havia exercido, as tarefas de organizar, dirigir, orientar a Biblioteca, o Arquivo e o Museu Histórico do Estado. Três instrumentos culturais que foram paixão permanente do seu espírito. Pena é que os tempos futuros lhe desmanchassem a obra, separando o Arquivo, a Biblioteca e o Museu, como se as três não fossem peças do mesmo processo, o mesmo processo de busca da verdade. Mas, senhores, seremos resudos sobre Anísio Brito. Desejamos levantar sobre ele questão nova, ainda não analisada, para revelar que Anísio Brito foi possivelmente o único, o verdadeiro, o exclusivo historiador científico do Piauí, aquele que serviu de luz, aquele que serviu de farol a todos os outros que lhe sobrevieram, porque em Anísio de Brito está a verdadeira teoria da revisão da história do Piauí. História com a verdade. Não é possível separar a verdade da história, nem a história terá bases falsas. As bases da história serão científicas do contrário existirá a anti-história, a negação da história. Quatro aspectos da vida social e política do Piauí absorviam a inteligência e a procura da verdade por parte de Anísio. Quatro assuntos sobre os quais talvez até hoje não se tenha chegado a decisão final. A primeira diz respeito ao desbravamento da terra. Domingos Jorge Velho esteve no Piauí? Se Domingos Jorge Velho esteve no Piauí a quem cabe a prioridade do desbravamento do Piauí? A Domingos Mafrense ou a Domingos Jorge Velho? Ainda hoje a polêmica se sustenta. Ainda hoje se discute a presença ou a ausência do paulista. Ainda hoje se entrechocam afirmações sobre se Mafrense aqui penetrou em primeiro ou segundo lugar. Ou se o segundo lugar ou primeiro coube ao paulista. O visconde de Porto Seguro, uma das mais notáveis afirmações da historiografia e da histologia brasileira, sustenta que Domingos Jorge Velho nunca colocou a bota em território piauiense. Barbosa Lima Sobrinho escreveu obra de fôlego sobre a contenda e nela conclui que é absolutamente inverídico que o bandeirante haja pisado o território por ele escolhido para a sua riqueza - o território do Poti. Antônio José de Sampaio, extraordinário Sampaio que sonhou com o Piauí industrializado, ainda no século XIX, admitiu que os dois vieram a esta terra, mas Mafrense chegou em primeiro lugar. Abdias Neves segue o mesmo roteiro. Ambos enriqueceram o Piauí, ambos mataram o índio no Piauí. Mafrense chegou em primeiro lugar. Anísio pesquisou, quis a verdade e concluiu que a prioridade da presença no Piauí pertence ao bandeirante, pertence a Domingos Jorge Velho. Mafrense chegaria depois. E a afirmativa se baseia na pesquisa séria, honesta, severa. É que o movimento das bandeiras no Brasil precedeu, foi anterior ao movimento praticado pelos criadores de gado. Refutou Alencastre, refutou todos os outros e admitiu não a sua verdade, mas a verdade cientifica apoiada sobre as lições da história. Admitamos que Anísio Brito inaugurou no Piauí aquilo em que ninguém havia pensado, a história genética, a história revisionista, história desprovida e destituída de fantasia. A segunda questão levantada por Anísio Brito, uma questão que envolve a natureza provinciana de comunidades piauienses. É que aqui se chocam os parnaibanos com os oeirenses. 19 de outubro ou 24 de janeiro a data da Independência do Piauí? É verdade que quase todos os historiadores asseguram que a Independência é aquela que figura no brasão - 24 de janeiro de 1823. Mas, em 1937, pouco antes, alguns meses antes do famoso Estado Novo de Getúlio Vargas, quando, ainda funcionavam as Assembléias Legislativas, por inspiração de Anísio Brito, o deputado José Auto de Abreu propôs a primazia aos parnaibanos, fixando o dia 19 de Outubro como a data da Independência do Piauí. Com quem a verdade, meus senhores? Com a argumentação de Anísio Brito, sempre baseado no ensinamento da história? Porque a história possui causas e conseqüências, não pode basear-se na fantasia humana! Com quem a verdade? Com Anísio Brito, inspirador de José de Abreu, que deu aos parnaibanos a primazia, embora estes se refugiassem no Ceará e não tivessem a sustentação popular para tornar vitorioso o movimento. O comandante das Armas de Portugal se aproximava com 1.000 soldados e peças de artilharia. Argumenta Anísio Brito com as causas provocadoras dos fenômenos históricos. Se os parnaibanos não dessem o grito de Independência a 19 de Outubro, quando não se sabia se D. Pedro I havia pronunciado a Independência às margens do Ipiranga, Fidié continuaria em Oeiras, obediente às ordens de D. João VI, para manter-se no Piauí a qualquer custo porque Portugal queria criar o Estado do Grão-Pará, com as riquezas do Pará, do Maranhão e do Piauí. A riqueza do gado, do gado que era dinheiro, o gado que valia mais do que a própria moeda, o gado como mercadoria única e importante para sustentar o norte e sustentar sul. Ainda se discute se os parnaibanos têm a glória ou se a glória cabe aos oeirenses. E um dos governadores do Piauí, inspirado em documento assinado por cinco historiadores e um leigo no assunto, quis estabelecer o Dia do Piauí a 24 de Janeiro. O fato é recente, o fato é de agora, e Parnaíba se rebelou, inclusive levantando na zona urbana da cidade forcas para que os autores da idéia pagassem o crime de revolver a história. Outro ponto, sobre que Anísio Brito colocou as suas idéias, está na Balaiada. Todos os compêndios de história do Brasil apontam os balaios como criminosos, assaltadores, ladrões. Anísio Brito, calmo como devem ser os que pesquisam, buscou a verdade histórica e provou com seriedade que os balaios eram vítimas de prepotências do governo imperial, e encontrou apoio num documento que o visconde da Parnaíba despachou para o Ministério do Império. Daí a revolto do negro Raimundo Gomes, uma revolta cívica contra o homem abandonado e espoliado, contra o homem que viva sem terra, sem instrução, vendo apenas desde o amanhecer até o anoitecer a fome aviltante da família. E as circunstâncias permanecem ainda um século depois de ter vindo ao mundo Anísio de Brito Melo. Hoje se faz a justiça que lhes fez 40 ou 50 anos passados Anísio Brito de Melo. A mesma justiça que se faz hoje a Antônio Conselheiro, criador de uma república no interior da Bahia, um sindicato rural pra obrigar que os senhores da terra pagassem salários pelo menos condignos aos explorados na terra do cacau. Depois da justiça aos balaios, Anísio quis que se estudasse a vida, os costumes, a coragem, a dedicação de um homem que durante 20 anos governou a Província com mão de ferro, mas com espírito da ordem para fazer que o Piauí mantivessem a sua independência e vencesse os movimentos contra a sua autoridade e contra a chefia da Província pelo seu partido dominante - que era ele próprio. Pediu justiça para o visconde. E a justiça foi feita. Hoje se reconhecem que o visconde da Parnaíba representa dos mais extraordinários governantes do Piauí. Se tinha defeitos, eram os defeitos que a sua época reclamava. Mas soube governar, e governou com o espírito lúcido a ponto de, quando lhe disseram que José Antônio Saraiva mudaria a capital para uma nova cidade criada as margens do Parnaíba e duvidaram que o fato se praticasse, o visconde, com lucidez, disse: "Ele leva a Capital de Oeiras para a nova cidade porque tem o poder na mão! e ai dos que têm o poder na mão! Fazem o que querem". Pois senhores, Anísio Brito fez escola, fez a revisão da história do Piauí, e os seus discípulos verdadeiros aí se encontram seguindo as lições do mestre estudioso, porque formou cultura com as lições da pesquisa, e da ciência. Fez-se a revisão da nossa história. Monsenhor Chaves, Odilon Nunes, Esmaragdo de Freitas, Hermínio Conde... Os discípulos lembram sempre o mestre. Embora Anísio esteja um tanto esquecido dos que foram ingratos com a sua memória, com a sua inteligência penetrante, ele enriqueceu e preservou o repositório das nossas tradições, revisando os fatos da história do Piauí, presente aqui na lembrança do seu espírito público e falará sempre à posteridade sobre a nossa história.


A. Tito Filho, Revista Presença, Teresina, nº ?, 1986, p. 22-24.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

PEQUENA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DE CELSO PINHEIRO

Celso Pinheiro nasceu na pacata cidade piauiense de Barras aos 24 de novembro de 1877, mesmo ano do nascimento de José de Arimathéa Tito e Esmaragdo de Freitas e Sousa, o primeiro também barrense e outro da Vila da Manga, depois Colônia de São Pedro de Alcântara e afinal Floriano, no Piauí. Era Celso filho do terceiro casamento de João José Pinheiro desta vez com Raimunda Lima Pinheiro.

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Em 1902, jovem de 15 anos, já redigia, ao lado de Arimathéa, ambos alunos do velho Liceu Piauiense, o órgão estudantil "A Idéia". Em 1903, faz parte de "Esperança", de grêmio literário. Sucede-se a sua participação em folhas jornalísticas: "Andorinha", "Arrebol", "Mensageiro" (1904), "O Operário" (1906), "Alvorada" (1909) - entre outras. Convive desde a mocidade com os mais destacados intelectuais do seu tempo: Abdias Neves, Antonino Freire, Miguel Rosa, Clodoaldo Freitas, Joel Oliveira, Arimathéa Tito, Simplício Mendes, Zito Batista, Da Costa e Silva, Adolfo Alencar, Esmaragdo de Freitas, Benedito Pestana, Raul Nei da Silva, Jônatas Batista, Antônio Chaves, Mário Batista, Alcides e Lucídio Freitas, Cristino Castelo Branco, Baurélio Mangabeira, Higino Cunha, Matias Olimpio, Valdivino Tito, João Pinheiro, Saraiva de Lemos, Elias Martins, Pedro Borges, Nogueira Tapeti, Fenelon Castelo Branco, Odilo Costa, Anísio Brito, Benjamin Batista, Eurípedes Aguiar, Antonio Neves, Julio Martins Vieira, Durvalino Couto, Veras de Holanda, Cirilo Chaves, Vaz da Costa, Anízio Cavalcanti, Claudio Pacheco - e outros que a memória não reteve.

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Em 1907, saia "Almas Irmãs", volume de versos elaborados por Celso, Zito Batista e Antonino Chaves.

Entre 1912 e 1917, Celso publicou "Flor Incógnita", versos, "Poesias", alentado volume, publicou-se no ano de 1939, sob os auspícios da Academia Piauiense de Letras e do governo piauiense, em que se reuniu grande quantidade de poemas do consagrado artista do verso.

A quase totalidade da obra de Celso Pinheiro permanece inédita. Ele organizou-a em vida distribuindo-a em 16 títulos: "Prosa", 2 volumes - discursos, conferencias; crônicas, cartas, artigos de jornal; e poesia, mais de quatro mil sonetos, poemas de outras formas e sátiras políticas, com as seguintes denominações: "Cuore", dedicado aos pais, aos irmãos, aos filhos; "Flor Incógnita", para a esposa; "Dona Tristeza",a  companheira permanente das suas angustias; "Sombras", para as moças tuberculosas do tempo em que viveu; "Dindinha", a babá da meninice; "Tear de Sol", 3 volumes, subtitulado "Spleen", versos dos sofrimentos íntimos; "Poemas de Maio", plenos de religiosidade; "Poetes", a suavidade e a beleza dos crepúsculos; "Hino à França"; "Jardim de Mulheres", 2 volumes, enaltecimento às eternas namoradas do homem; "No Jardim de Academus", homenagem aos intelectuais do Piauí; "Estepes", de vário assunto; "Poemas da Morte", penúltimo livro, para o poeta o próprio canto de cisne; "Coroa de Espinho", terminado uma semana antes da morte do poeta.

De assunto político deixou para publicação: "O Incendiário de Teresina", "Demócrito de Sousa Filho", "Fernando de Noronha", "União Democrática Nacional do Piauí", "Da Constituição" e "Euripidianas".

Estas obras tratam dos terríveis dias dos incêndios criminosos na capital piauiense, primeiros anos da década de 40; do assassinato de jovem estudante num comício do Recife, em 1945; da ilha transformada em presídio, onde se recolheram os acusados de idéias socialistas, entre os quais o filho Celso Pinheiro Filho, espancado, serviciado e aleijado pela truculência policial; do grêmio partidário tão combatido pelo poeta, que militava no Partido Social Democrático; comentários sobre a Constituição do Piauí, elaborada no governo Rocha Furtado, em 1947, e finalmente das sátiras impiedosas que Celso dirigiu ao seu adversário, o terrível jornalista Eurípedes de Aguiar.

São obras que assinalam uma época de formidáveis paixões do partidarismo político piauiense.

*   *   *

Vários fatores fazem a obra literária, mas a estética não se preocupa com exame da biografia do autor, ponto de partida da crítica psicanalítica. As concepções da literatura procedem das neuroses e dos sofrimentos do homem. Celso Pinheiro não se desgarraria da norma. Desde cedo sofreu física e espiritualmente. Milionário de angústias íntimas, alucinado de dor, contempla os martírios que a vida lhe impõe e constrói os versos científicos de que abarrota gavetas e armários caseiros. Ele mesmo conta a sua história sem remédio em cada poema que lhe colhe da lama em pranto.

Augusto dos Anjos realizou Eu com pedaços do coração maltratado. Deflorou e engravidou Maria, de humilde condição social. A mãe do poeta, senhora de engenho, mandou surrar a menina, que morreu da surra - ela e o rebento da barriga. Augusto sofreu conseqüências violentas desse drama doméstico, e tornou-se melancólico. Contou a tragédia no seu livro de tantas edições, acima referido. José Lins do Rego, conterrâneo do poeta, disse que ele escondia uma mágoa secreta, um rancor contra a própria mãe.

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Em 1972, sustentei que Martins Napoleão, magnífico poeta, aceitava nos seus poemas a morte como processo de extermínio do sofrimento. Assim como Celso Pinheiro, foi Napoleão, no uso da palavra como conteúdo da poesia, como mensagem poética. Em Tomás Gonzaga, tudo se expressa nos adjetivos formoso, lindo. Duro é o adjetivo de Camões. Em Álvares de Azevedo, pálido, lívido, frio. Napoleão se revela em essência pelo conceito: lágrima, pedra, sofrimento, amor, pedra, morte.

Celso Pinheiro consubstancia a angústia do homem do homem martirizado pela crueldade da vida. Os versos revelam o seu verdadeiro psiquismo. Emoção a cada instante e o vazio da alma fazem dele um dos grandes poetas nacionais. A dor possessiva sublimou-o em comoventes criações poéticas, que não pertencem ao parnasianismo nem ao simbolismo, como quis Agripino Grieco. Penso que ele pretendeu, da forma que Horácio de Almeida sentiu em Augusto dos Anjos, ocultar o pensamento, num modo de interpretar os profundos e martirizantes sentimentos íntimos e entregá-los ao mundo objetivo.


A. Tito Filho - In: Revista Presença, Ano VIII, 19, Teresina, Março/Dezembro, 1987, pág. 52-53. 

domingo, 2 de outubro de 2011

Anglo-Norte Americanismos no Português do Brasil

por Teresinka Pereira, University of Colorado.

Gordon M. Mirick, diretor do Bureau de Curriculum dos Estudos Internacionais, prefaciando a gramática de Maria de Sá Pereira(1), começa assim:

"Nunca é o pôr-do-sol para os americanos que trabalham, vivem, estudam ou viajam pelos países cujas línguas diferem radicalmente da sua".

Quero começar aqui repetindo estas palavras do eminente diretor do IS, mudando apenas o gentílico "americanos" para "brasileiros" e completando com a menção do nome de A. Tito Filho. homem de Leis e de Letras, A. Tito Filho trabalha intensamente e com uma dedicação admirável pela divulgação da cultura e pela educação do povo brasileiro. Conhecedor profundo da língua portuguesa e portador de uma cultura vastíssima, ninguém melhor que ele poderia realizar o empreendimento difícil e de exaustiva pesquisa que representa a preparação deste livro intitulado Anglo-Norte Americanismos no Português do Brasil (2).

O que o professor A. Tito Filho apresenta neste livro, como resultado de uma intensa investigação lingüística sobre o intercâmbio entre o povo brasileiro e o estadunidense não se limita ao comercial, mas abrange todos os campos culturais: o esportivo, o espiritual, religioso, político e o literário. A linguagem brasileira se apresenta, neste final do século XX, contaminada e enriquecida de inúmeros anglicismos, os quais o autor a aceita como "empréstimos lingüísticos" porque eles refletem uma necessidade social. Em outras palavras, e para usar um verbo já registrado no Dicionário da Língua Portuguesa (3), o que A. Tito Filho admite é que o povo brasileiro tem anglicizado a sua língua a tal ponto que é necessário prover-lhe com uma séria e extensa fonte de consulta. É para aqueles que, tendo estudado ou não o idioma inglês, precisam se informar de como determinada palavra inglesa está sendo usada no Brasil. Cito, por exemplo, um verbete do dicionário: o verbo "equeezar" vem do inglês "to equeeze" e significa "apertar".

A pesquisa do professor A. Tito Filho abrange uma área muito mais extensa que a de uma simples catalogação dos anglicismos com os seus significados. Isto seria fazer um trabalho normalmente apresentado pelos grandes autores de dicionário como Larousse e Augé que em páginas coloridas no meio ou ao final do volume, apresentam as palavras estrangeiras incorporadas à língua pátria com seus significados. no dicionário de A. Tito Filho há também uma espécie de histórico da penetração do anglicismo no Brasil, incluindo o sentido que teve a palavra nas diferentes épocas e do grupo que a usa segundo a idade de seus componentes ou a sua classe profissional ou social:

"Dancing:
Indica salão de dança, reunião dançante, escola de dança, estabelecimento público onde se dança e se aprende a dançar". (p. 162)

Oferece também a semântica e a etimologia da palavra. Por exemplo: "Daisy (às vezes aportuguesado em deise) é o mesmo que margarida. Assim se lê a explicação de A. Tito Filho:

"No velho inglês houve daegeseage, corresponde a day's eye (olho do dia), porque certas espécies da flor se abrem pela manhã para mostrar um disco amarelo e se fecham de noite". (p. 162)

Mais que isto, há também, para certas palavras, uma bibliografia de seu registro pelos principais autores de dicionários da língua portuguesa. Por exemplo, para explicar a palavra "Dandy", ele cita a Mesquita de Carvalho e também a Carolina Michaelis:

"...na 7ª edição do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, acolheu dândi com o significado de 'casquilho', enfeitado exageradamente, aquele que trata muito de sua aparência". (p. 163)

Apresenta também alguns exemplos do uso do anglicismo por alguns importantes escritores nacionais, que acolhem a forma inglesa como o faz Juarez da Gama Batista, que no seu texto "Sentido trágico em José Lins do Rego", diz "...travestido de dandy, de elegante do Recife".

Na introdução do livro, A. Tito Filho cita, em vasta bibliografia, a opinião de filólogos internacionalmente reconhecidos como Edwar Sapir, Albert Dauzat, J. Vendryes, sobre o problema da importação de palavras. Mas seu melhor defensor parece ser mesmo o compatrício, autor de Tratado de Semântica Geral, Silveira Bueno, que é especialmente citado por A. Tito Filho e que repetimos aqui:

"A tese do purismo dos idiomas é perfeitamente anticientífica e pode ser defendida somente por aqueles que ainda não deram acordo do seu atraso filológico". (p. 07)

Dicionário ou Vocabulário, ou mesmo Livro de “Anglomania" como diria Assis Memória, este volume publicado pela Nórdica vem aprontar uma grande contribuição para os estudos de lingüística no Brasil. Nós, os que nos servimos da palavra não só para a comunicação de nossos sentimentos, mas também para o intercâmbio educacional e pedagógico só podemos agradecer e elogiar ao Professor A. Tito Filho pelo enorme subsídio que nos entrega, fruto de árduo e vigoroso trabalho de erudição.

Notas:

(1) Sá Pereira, Maria de Lourdes: Brazilian Portuguesa Grammar. Boston: D.C. Heath and Company, 1984. "Foreword" pp. v-vii.

(2) Tito Filho, A.: Anglo-Norte Americanismo no Português do Brasil. Rio de Janeiro: Nórdica, 1986.

(3) Buarque de Holanda Ferreira, Aurélio: Novo Dicionário da Língua Portuguesa, sem data.


IN: Tito, Delci Maria (Org.), Revista da Academia Piauiense de Letras, p. 61-63, 1988. 

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

TITO FILHO - namorador-mor de Teresina

Como poderia registrar o meu profundo sentir pelo falecimento do grande mentor da nossa Academia Piauiense de Letras e da própria intelectualidade piauiense em apenas uma crônica de jornal? Impossível. Conheci o Profº Tito filho desde que baixei em Teresina, com todas as malas, resolvido a morar. Foi sempre o homem preocupado com os destinos desta cidade, desde a pobreza do seu povo, a maioria, até a situação do patrimônio arquitetônico que se vai extinguindo. Quem não o conhecia? Muito poucos. Um homem popular pela sua atuação na imprensa, na cátedra, nos cargos e funções que exerceu (a todos chamado pela competência), por sua atuação na crônica desta cidade que tanto amou, embora não sendo sua de nascimento. A. Tito Filho era o tipo do homem cordial mas enérgico. Mandava com doçura e humildade. Não sinto nenhuma dificuldade em dizer isto, agora que ele se transportou para outras esferas - pois sabia que era isto que eu pensava (e penso). Recebia a todos com carinho de filho ou como irmão. Tinha um coração de poeta e a voz e a potência de um orador, dos grandes que era, dos mais persuasivos, dos mais convincentes. Irritava-se coma sem-vergonhice da política mesquinha, da patifaria reinante no Brasil das últimas décadas, dos ódios pessoais e partidários ou sociais. Conhecia profundamente a linguagem do povo e trazia seus termos, seus ditos, sua frase para os trabalhos intelectuais e culturais do fazer diário. ele via as suas emoções e as transportava para o papel com elegância e sem afetação, tudo ao nível da classe que lê jornal ou que vai à escola e aprende as primeiras e médias letras. No rádio, na televisão, na correspondência, a mesma polidez, a mesma economia de palavras, a mesma segurança na concisão de seu inconfundível estilo. Um homem bem humorado até nos seus últimos dias, não obstante os achaques do mal que o castigava.

Foi uma vocação de historiador não concretizada totalmente, visto que os melhores e mais produtivos dias de sua vida deu-os à administração da Academia Piauiense de Letras. A história dessa instituição agora tem uma marca: antes e depois de Arimathéa Tito Filho. Amava a Academia. Amava Teresina.

Não só amava Teresina e o Piauí, estudava-os com dedicação de um amante-mor, de um apaixonado. Seus trabalhos sobre a vida social, política, histórica, doméstica desta capital dariam outro livro "Teresina, meu amor" - que é o seu livro de crônicas famoso, o mais caído no gosto dos leitores desta terra e dos intelectuais de outros Estados, donde recebeu inúmeros elogios. Sugiro que a família ou a academia englobe esses artigos, ordenadamente, num segundo volume desta importante obra para a vida espiritual dos piauienses: "Teresina, meu amor". Sugiro muito mais ainda. Desta vez, aos poderes públicos, à municipalidade, à Câmara de Vereadores: que se levante um busto ou uma estátua a esse amoroso de longo curso desta cidade fundada por Saraiva, a ser inaugurado/a no dia do aniversário de Teresina, o próximo 16 de agosto. Ou que se dê a uma rua importante o seu nome. Uma, duas ou todas essas homenagens palpáveis que a sua vida e obra fez por merecer. Seria pouco. Seria o mínimo de gratidão.

Que a sua morte não seja só falta e tristeza, porém momento de reflexão para os que mandam. Alguém disse, certa vez, que não se vive numa cidade impunemente. Eu quero acrescentar sob forma de paráfrase: ninguém ama uma cidade impunemente. Impunemente para a cidade, que terá de guardar por muito tempo, por todo o tempo as marcas desse amor.


Francisco Miguel de Moura, 27/06/1992, Jornal O Dia

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

SOBRE O ACERVO A. TITO FILHO

1. COMO SURGIU

Surgiu como um projeto de pesquisa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Estadual do Piauí (PIBIC-UESPI) elaborado pela professora Ana Cristina Meneses de Sousa Brandim (UESPI) em 2006 e durou até o segundo semestre de 2008. O programa dá direito ao professor ter como pesquisadores/bolsistas alunos da graduação, o que me possibilitou participar da pesquisa.

O projeto, na época intitulado “História e Literatura: pesquisa, catalogação, digitalização e revisão da obra de Arimathéia Tito Filho”, buscava contribuir para a ampliação das questões mais pertinentes no cenário atual da historiografia: perceber como nossa identidade de teresinense foi moldada pelo discurso (FOUCAULT, 2001) que partiu da Academia Piauiense de Letras na figura do seu presidente Arimathéa Tito Filho, que foi presidente da instituição por pouco mais de duas décadas, formulando e alicerçando bases que ainda hoje são referências para a forma como nos relacionamos com a cidade de Teresina. No projeto também estava estabelecido que não tínhamos como proposta fazer uma biografia de A. Tito Filho, mas utilizar sua produção textual como base de um estudo que nos ajudasse a entender o presente e o passado da cidade.

No aspecto teórico, a proposta era articular um diálogo permanente com linhas de pesquisa que aderem a História Cultural, principalmente porque procurávamos então estudar os laços estreitos que ligam o conhecimento às formas como se dá a sua produção.

2. JUSTIFICATIVA

A proposta de pesquisar, catalogar, digitalizar e por último publicar o material coletado buscava realçar a linha de pesquisa referente as relações entre História e Literatura. Visávamos fazer um levantamento da produção de A. Tito Filho em vários meios de comunicação como jornais, revistas, manuais, artigos, etc. e aquelas que se encontram em poder dos familiares e amigos, desconhecidos do público, e que necessitam ser reunidas no intuito de conhecermos ainda mais acerca da história de Teresina e do Piauí e que implicações elas trazem para a historiografia piauiense.

A professora Ana Cristina relata que esse trabalho surgiu “principalmente de uma constatação realizada a partir das pesquisas efetuadas na dissertação de Mestrado, onde ao trabalhar com a abordagem entre História e Literatura, observou-se que havia nos jornais O Dia da década de noventa do século XX, uma quantidade significativa de crônicas de autoria de A. Tito Filho, que se mostrou de uma riqueza impressionante sobre abordagens de diferentes nuances da nossa cidade. Além dessa percepção soube-se que havia ainda outros materiais em diferentes jornais onde escreveu e apanhados jornalísticos em várias revistas. A necessidade de fazermos uma busca e sistematização desse material é fundamental na contribuição de uma leitura historiográfica que incida novas abordagens e crie uma necessidade de (re)examinarmos nossas construções referentes a pesquisa e confecção de um “dito” sobre nossa história do Piauí”.

A pesquisa, assim, partiu de 03 interesses principais:

1) Ampliar os debates em torno da nossa identidade cultural;

2) Realizar uma pesquisa e catalogação de um material que oriente outras pesquisas e fomente novos estudos e

3) Digitalizar e divulgar o material ao público.

3. OBJETIVOS

Como objetivos gerais, a pesquisa buscava:

- Viabilizar a pesquisa, catalogação, digitalização e utilização do material relativo as crônicas e outras produções literárias do acadêmico Arimathéia Tito Filho para fins de publicação e contribuição para a  historiografia piauiense.
Como objetivos específicos:

- Registrar as crônicas e outras atividades literárias de Arimathéia Tito Filho presente nos levantamento catalográfico das publicações do literato realizadas em vários meios de comunicação como jornais, revistas, manuais, artigos e ainda aquelas que se encontram em poder dos familiares e amigos;

- Ampliar os debates em torno da nossa identidade cultural procurando relacionar e analisar os costumes, cotidianos, sensibilidades, permanências e modificações presentes no discurso do literato em questão;  

- Realizar uma pesquisa e catalogação de material que oriente outras pesquisas e fomente estudos sobre as relações existentes entre a Academia Piauiense de Letras e as incursões realizadas em torno da definição de uma identidade para Teresina e para o Piauí;

- Digitalizar e utilizar o material adquirido pela pesquisa para a confecção e publicação de uma obra que tenha como propósito à reunião de uma parte do material pesquisado e a sua posterior análise advinda tanto da pesquisadora proponente, do bolsista, como de outros pesquisadores da área.

4. METODOLOGIA

Partindo dos pressupostos trabalhados por Ginzburg (1989) num artigo já conhecido, buscávamos traçar um painel da Teresina presente na produção de A. Tito Filho. Assim, buscava-se o acesso às mais diversas fontes:

- As crônicas encontradas em revistas especializadas como “Cadernos de Teresina”, Revista da Academia Piauiense de Letras, “Presença”, além de outras que precisam ser registradas e catalogadas;

- Jornais das décadas de 70 a 90 do século XX, disponibilizados no APPI (Arquivo Público do Piauí) que sirvam para o mapeamento das crônicas e artigos do literato em questão;

- Fontes escritas que estejam em poder dos familiares e amigos e que oportunizem a percepção das mudanças e permanências que se efetuaram no espaço urbano de Teresina;

- Materiais escritos que pertençam ao arquivo da APL, Monsenhor Chaves, e outras entidades que forem ao longo da pesquisa sendo detectados;

- Fontes orais que oportunizem o cruzamento entre o escrito e as vivências particulares do literato no sentido de serem usadas durante o processo de publicação.

O trabalho de pesquisa destes textos se deu majoritariamente no Arquivo Público do Piauí, e esse material foi registrado por meio de uma câmera fotográfica digital. Havíamos proposto também no projeto, como mostrado acima, realizar a catalogação e registro de acervos particulares. Mas essa parte do processo ainda não foi realizada. De qualquer forma é importante deixar claro que a reunião desses dois acervos (o público e o de particulares) servirá como registro e mapeamento da produção de A. Tito Filho. Existem também alguns jornais em que A. Tito Filho escreveu durante as décadas de 1970 e 1980, como “O Estado” e “Jornal do Comércio” que ainda não tive tempo nem condições de pesquisar, por motivos que não vem ao caso aqui. Além de um trabalho que visa (como colocado no projeto) criar um acervo oral, que visaria registrar dados sobre o literato utilizando-se das técnicas referentes à História Oral. A proposta seria trabalhar com dois grupos: primeiro aqueles que tiveram contato de trabalho com o mesmo e depois o grupo dos familiares e amigos.

5. SITUAÇÃO PRESENTE

Atualmente a pesquisa, não mais inserida no âmbito institucional do PIBIC/UESPI, desenvolve-se principalmente em duas frentes: no Doutorado em História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em pesquisa da professora Ana Cristina, que tem como título “Entre letras e papéis: intelectualidade e vida literária em Arimathéia Tito Filho". E no trabalho que venho desenvolvendo no blogger intitulado Acervo A. Tito Filho, iniciado em fevereiro de 2010, onde estou publicando diariamente a produção jornalística do autor. Hoje a proposta já se dividiu em 08 blogs:

- Acervo A. Tito Filho (1): onde já terminei de postar todos os textos produzidos em 1988 no Jornal O Dia.    

- Caderno de Anotações (2): onde são postados os textos da coluna Caderno de Anotações, do Jornal do Piauí da década de 1970.

- Acervo A. Tito Filho (3): onde estou postando os textos produzidos em 1960 no Jornal O Dia.

- Acervo A. Tito Filho (4): onde já terminei de postar os textos produzidos em 1987 no Jornal O Dia.

- Catálogo A. Tito Filho (5): onde estou postando informações sobre os livros escritos por A. Tito Filho, bem como sua disponibilidade nas bibliotecas e que obras estão disponíveis. Pretendo também manter atualizações acerca do estado de conservação das obras.

- Acervo A. Tito Filho (6): onde estou postando a produção do ano de 1988 no Jornal O Dia.

- Acervo A. Tito Filho (7): neste espaço, pretendo divulgar trabalhos que tem como objeto a produção de A. Tito Filho ou que tenham os textos dele como uma de suas fontes; textos produzidos por A. Tito Filho que tenham um caráter mais teórico, de critica de literária, etc.; bem como (porque não?) manter um observatório da pesquisa em história no Piauí. Sem esquecer-se de textos produzidos por pessoas que conviveram com o autor e estudaram sua obra.

- Acervo A. Tito Filho (8): onde estou postando a produção referente ao ano de 1989, no Jornal O Dia.

- Acervo A. Tito Filho (9): neste blog estou montando um índice onomástico com o intuito de elaborar um índice de nomes próprios (que vão desde autores, políticos e personalidades até figuras anônimas que marcaram a memória do autor) citados por A. Tito Filho em seus textos. Isso permitirá, dentre outras possibilidades, roteiros e leituras cruzadas.

6. CONCLUSÃO

Divulgar a obra de A. Tito Filho tem um significado mais profundo: as mutações geradas à história o ingresso na era da textualidade eletrônica (CHARTIER, 2009). Assim, a textualidade eletrônica (o fato de a produção ser divulgada nos blogs) transforma a maneira de organizar as argumentações, históricas ou não, e os critérios que podem mobilizar um leitor para aceitá-las ou rejeitá-las. Quanto ao historiador, permite desenvolver demonstrações segundo uma lógica que já não é necessariamente linear e dedutiva, como é a que impõe a inscrição, seja qual for a técnica, de um texto em uma página. Permite uma articulação aberta, fragmentada, relacional do raciocínio, tornada possível pelos blogs.

Assim, se você realizar uma pesquisa com base nos textos dos blogs, a validação ou a rejeição de um argumento pode se apoiar na consulta de textos que são o próprio objeto de estudo, com a condição de que, obviamente, sejam acessíveis na internet ou em outro meio digital (um cd ou pen drive, por exemplo). No texto impresso isso geralmente não é possível. Então, caso você faça uma pesquisa que tenham os textos de A. Tito Filho como uma das fontes ou mesmo ele A. Tito Filho (digo a sua produção) seja o objeto da pesquisa, seria interessante criar links no texto para que o leitor possa ter acesso a fonte na íntegra. Você pode até mesmo divulgar a versão impresso do texto de sua pesquisa em conjunto com o mesmo texto gravado em um CD-R. Assim, com um PC com acesso a internet o leitor poderia ter acesso aos links que você criou. A pesquisa em história que tem como base os blogs que eu listei acima possui como aspecto dos mais interessantes e cativantes justamente essas possibilidades.

Por Jordan Bruno Oliveira Ferreira.

BIBLIOGRAFIA

Brandim, Ana Cristina Meneses de Sousa. Cotidiano, narratividade e representação na Teresina dos meados do século XX. / Ana Cristina Meneses de Sousa Brandim. Teresina: UFPI, 2006.

CHARTIER, ROGER. A história ou leitura do tempo. – tradução de Cristina Antunes – Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

CERTEAU, Michel De. A operação historiográfica. In: ______. A Escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Meneses – 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 65-122. 

DARNTON, Robert. História da leitura. In: BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História: novas perspectivas. - Tradução de Magda Lopes – 2. ed. São Paulo: UNESP, 1992. p. 199-236.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2001.

GINZBURG, Carlo. Raízes de um paradigma indiciário. In: ______. Mitos, emblemas, sinais. São Paulo. Companhia das Letras,1990.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A. TITO FILHO - sob o signo da paixão

Já se disse, e com razão, que nenhum homem é maior que sua época. Mas é inegável que existem homens que, com seu esforço, contribuem para tornar menos ruim a época em que vivem. A. Tito Filho, estou certo, foi um deles.

Não fosse lugar comum, diríamos que A. Tito não foi um, foi muitos: o boêmio, o professor, o jornalista, o advogado, o polemista, o pesquisador, o polígrafo... Até onde sei, e não sei muito. A. Tito Filho teve uma existência marcada por intensas paixões, o que talvez explique a sua capacidade de realização, afinal, como queria Alain, "são paixões e não os interesses que conduzem o mundo". A paixão de A. Tito Filho pelos livros era algo incomum; lendo, escrevendo, prefaciando, comentando e, principalmente, distribuindo prodigamente livros a mancheias, consumiu boa parte de sua vida útil. Ninguém visitava a Academia Piauiense de Letras sem receber dele livros de presente, mesmo que fosse uma daquelas brochurazinhas ordinárias que se vendem no quilo nas praças de qualquer cidade. Sem o menor preconceito, lia tudo: do cordel à filosofia. Não se conclua daí que Arimathéa fosse um homem de leituras apressadas ou desordenadas; quando necessário, lia com acuidade, lia com a inteligência. A melhor prova disso está no seu ANGLO-NORTE AMERICANISMOS NO PORTUGUÊS DO BRASIL (Editora Nórdica), obra única no gênero no Brasil.

A paixão de A. Tito pela APL estava bem próxima da devoção. A ela dedicou o melhor de sua existência; conferiu-lhe a credibilidade e o dinamismo de que as academias tanto carecem. Ali recebia a todos indistintamente, mesmo os chatos incorrigíveis que a ele recorriam à cata de prefácios elogiosos. E, a bem da verdade, o "presidente perpétuo" não se fazia de rogado: distribuía-os prodigamente. É certo que, uma que outra vez, estilava nas barbas do freguês o seu humor corrosivo. Presenciei um fato que me parece digno de registro: procurado por um poeta que lhe cobrava prefácio para um "novo" livro de poemas, nem se dignou a ler os originais. Entregou-os ao poeta coma recomendação: "Pode usar aquele prefácio que escrevi há vinte anos: sua poesia não mudou".

Mas de todas as paixões, a mais escancarada foi a que devotou a Teresina, sua "cidade amada". Mesmo sem procuração ou mandato, investiu-se do papel de defensor da cidade e levava tão sério esse mister, que, não raro, amealhava antipatias generalizadas. Em defesa da cidade, comprava brigas em muitas frentes. Brigava com os pichadores que emporcalham os muros com frases vulgares; criticava os que afeiam as ruas com letreiros e placas cheias de erros grosseiros; não perdoava aos que, criminosamente, deformam o perfil arquitetônico de Teresina, movidos pelo espírito especulador. Mas o que A. Tito Filho mais fez em toda a sua existência foi tentar incutir nos habitantes de Teresina algum amor por essa sofrida cidade. Infelizmente não o conseguiu. De qualquer forma, fez a sua parte, o que o credencia a merecer a gratidão dos que lutam para transformar Teresina num lugar onde se possa morar e viver dignamente.

Valeu a pena, mestre.  


Cineas Santos, 01/07/1992, Jornal O Dia

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

ARIMATHÉA TITO

No adeus a Arimathéa Tito Filho dado há pouco, no Cemitério São José, dissemos que sua figura dominou a vida cultural e social do Estado por mais de um quarto de século. Escritor, polígrafo, dono de uma cultura humanística das mais bem sedimentadas, era, além disso, um artífice da palavra e um mestre na maneira de bem dizer. Animador da cultura piauiense, em todas as suas manifestações, era pessoa presente a todas as suas expressões mais vivas. A Academia Piauiense de Letras, a que emprestou o melhor de seus talentos de administrador, já sobejamente comprovada na direção do Liceu, nas Secretarias de Cultura e da Educação, muito lhe deve pelo que hoje representa na vida cultural piauiense.

Era um mestre completo em todas as formas de manifestação do pensamento. Professor brilhante, jornalista dos maiores que tivemos, diariamente prelecionava sobre os mais variados assuntos nesta mesma coluna de jornal.

Historiador e cronista de nossa história, sobretudo de nossa Teresina, cidade a que dedicava especial carinho, deixou obras do maior interesse historiográfico, como Sua Excelência, O Egrégio, Governadores do Piauí, Teresina, meu amor, Crônica da cidade amada, Sermão aos Peixes e inúmeros outros, e pôde oferecer em todos eles uma amostra de seu espírito altamente indagador dos sucessos de nossa história.

Foi também um revisor de nossa historiografia e de nossa literatura, comentando obras de Abdias Neves, José Coriolano, José Pires de Lima Rebelo, Hermínio Castelo Branco, celebrado autor de Lira Sertaneja, que com isto ganharia maior dimensão no panorama de nossa cultura.

Era realmente Arimathéa, como há pouco dissemos à beira de seu túmulo, uma figura de exceção. Sua predileção pelos humildes, pelos carentes, era um dos aspectos mais conservadores e mais significativos de sua personalidade. A eles e aos seus problemas dedicava grande parte do seu tempo, por ele administrado de maneira a aproveitá-lo em toda a sua integralidade, como se adivinhasse que tão breve dele não mais disporia.

Sua dedicação aos problemas da cultura era das mais perfeitas, eis que havia assunto que a ela dissesse respeito que não merecesse de Arimathéa o mais vivo interesse.

A Academia Piauiense de Letras, por ele organizada em padrões modernos, em sede própria obtida em sua profícua gestão, perde um pouco de sua vida tão dinâmica com o desaparecimento de um de seus maiores
presidentes.

Octávio Tarquínio de Sousa, em sua Vida de Pedro I, diz no final deste livro consagrador da rara personalidade do nosso primeiro Imperador, que ele não era um homem de ordinária medida.

Arimathéa, uma das maiores cerebrações do Piauí, não foi um homem de ordinária medida.


 
Por M. Paulo Nunes - Presidente do Conselho Estadual de Cultura do Piauí - no Jornal O Dia, 25 de junho de 1992.

sábado, 16 de julho de 2011

HISTÓRIA E LITERATURA: PESQUISA, CATALOGAÇÃO, DIGITALIZAÇÃO E REVISÃO DA OBRA DE ARIMATHÉIA TITO FILHO

ARTIGO APRESENTADO DURANTE O I SEMINÁRIO DE LITERATURA COMPARADA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ, NO PERÍODO DE 03 A 05 DE OUTUBRO DE 2007, QUE TEVE COMO TEMA "LITERATURA E OUTROS SABERES".

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Autores: Jordan Bruno Oliveira Ferreira (1) & Ana Cristina Meneses de Sousa Brandim (2)


RESUMO: O trabalho ora apresentado traz resultados parciais da pesquisa intitulada “História e Literatura: pesquisa, catalogação, digitalização e revisão da obra de Arimathéia Tito Filho” que tem como problemática central perceber como nossa identidade de teresinense foi moldada pelo discurso que partiu da Academia Piauiense de Letras na figura célebre do seu presidente, A. Tito Filho, que manteve o controle da mesma por mais de vinte anos, formulando bases que ainda hoje são referenciais para a forma como mantemos relação com a nossa cidade de Teresina. Dessa maneira, a pesquisa tem ênfase na produção documental de A. Tito Filho, principalmente suas crônicas jornalísticas e suas obras bibliográficas por permitirem visualizarmos uma multiplicidade de fatos que notabilizaram as últimas décadas do século XX, em Teresina.  
Palavras-chave: História e Literatura – A. Tito Filho - Cidade


1. Introdução
O artigo traz uma discussão da pesquisa intitulada “História e Literatura: pesquisa, catalogação, digitalização e revisão da obra de Arimathéia Tito Filho” que tem como problemática central perceber como nossa identidade de teresinense foi moldada pelo discurso que partiu da Academia Piauiense de Letras na figura de seu presidente, A. Tito Filho (3), que manteve o controle da mesma por mais de vinte anos, formulando bases que ainda hoje são referências para a forma como mantemos relação com a cidade de Teresina.
O objetivo principal dessa pesquisa é tentar demonstrar que Teresina, enquanto campo de abordagem, é criada e recriada continuamente devido à circulação e projeção de inúmeras imagens que tem como finalidade estabelecer um “real”. Esse “real” pode ser visualizado ou detectado através dos devidos discursos e olhares que procuram justapor e contrapor dizeres, oferecendo cadeias de significados para aqueles que participam e assimilam formas diferenciadas desses discursos. A Teresina existente em nossa memória só existe enquanto projeção vivida, enquanto construção ou como multiplicidade de percepções que irá depender da forma como assimilamos cada fase ou cada momento de nossa existência. Essas percepções são continuamente registradas pelos mais diferentes sujeitos, responsáveis pelo processo de apropriação de imagens sobre nossa construção identitária, como os romancistas, cronistas, poetas, arquitetos, urbanistas, chargistas, historiadores e outros que formulam imagens, lembranças, vivências, sentimentos, códigos de postura, formas de ver e viver, além de outras sensibilidades que fazem parte de nossa socialização.
Dessa maneira, escolhemos a produção documental de A. Tito Filho, principalmente suas crônicas jornalísticas e suas obras bibliográficas por permitirem visualizarmos uma multiplicidade de fatos que notabilizam as últimas décadas do século XX em Teresina. Assim, neste artigo, as crônicas ocupam um lugar de destaque já que ocupam a maior parte do material pesquisado e catalogado até o momento, através do processo (de fotografia) digital. A crônica, enquanto linguagem literária, cumpre a função de inverter o tempo do progresso, possibilitando acessar outras virtuais possibilidades de entendimento de uma dada “realidade”, propondo que passado e presente sejam cruzados, em uma perspectiva inovadora, no intuito de tornar possível o conhecimento dos sujeitos e dos objetos diante da fluidez “usos”, que vão se estabelecendo durante o curso do processo histórico.
Neste sentido, buscamos analisar as obras produzidas por A. Tito Filho, transpô-las, registrando os vários sentidos que circulam entre o escrito e as formas de pensamento, e, principalmente, procurando mostrar o que elas revelam, apontam, manifestam, enquanto imaginário de uma época, buscando um entendimento plural e cultural da cidade. A produção do autor fixa posições, constrói conteúdos e sentidos, faz aparecer um arranjo cultural, vivências, pensamentos e sensibilidades; operam com estratégias, tentando aproximar-se de um imaginário coletivo de uma época.
Assim, buscamos “ler” a cidade de Teresina como uma das possibilidades de entendê-la enquanto construção de significados que operam, a rigor, na construção do pensamento social e cultural. Seus escritos “fundam” uma cidade, fornecendo códigos de legitimidade, que são buscados no passado, enquanto instâncias seguras ante o desequilíbrio causado pela modernidade.

2. Teresina, cidade da perdição.
Como colocado anteriormente, as crônicas têm ocuparam lugar de destaque no material coletado durante a pesquisa. Não só pelo volume produzido por A. Tito Filho, que é enorme, mas tambem pela variedade de temas que podem ser trabalhos, de acordo com os critérios de quem está lidando com o material. Assim, as que mais me chamaram a atenção foram alguns textos produzidos pelo autor acerca do problema (na época considerado como tal) dos jogos de azar em Teresina no final da década de 1940, sobretudo o jogo do bicho.
Percebemos também que é possível não só trabalhar as crônicas em si, acerca deste e outros temas, como também discutir a própria crônica em si, e suas múltiplas possibilidades para os trabalhos dos historiadores. De acordo com Chalhoub (2005) a crônica enquanto gênero literário surgido no Brasil do final do século XIX, ao acaso, da espontaneidade de uma conversa, teria como uma de suas características primeiras a leveza. Ao tratar de temas diversos, alinhavados pela arte das transições, fariam dos pequenos acontecimentos sua matéria-prima privilegiada. A segunda característica da crônica seria a suposta ausência de elaboração narrativa do gênero. Habitualmente vista como um híbrido de jornalismo e literatura, ela se aproximaria, na sua concepção, do caráter despretensioso e datado de uma noticia de um jornal. O autor lembra que na verdade, quando da sua formação a crônica vivia a tensão entre uma elaboração narrativa e o dever de dialogar de forma mais direta com os temas e questões de seu tempo. Mas não se trata de um gênero simples, para além dessa leveza apontada anteriormente, essa característica aponta para outras, sendo esta uma das principais: a cumplicidade construída entre o autor e o público quanto aos temas e questões a serem discutidos. Ao cronista cabe a responsabilidade de buscar, dentre os acontecimentos sociais de maior relevo e divulgação, capazes de formar entre escritor e leitor códigos compartilhados que viabilizassem a comunicação, temas que lhe permitissem discutir as questões do seu interesse.
Outro aspecto importante da crônica apontado é a necessidade de diferenciá-la da história, bem como o historiador do cronista. Ao contrário do historiador, caberia ao cronista interagir com as coisas de seu mundo, meter-se onde não era chamado para transformar o que se via e se vivia. Não analisando assim a realidade de forma exterior, mas dialogando com outros sujeitos, participando das discussões. A crônica teria assim, como uma de suas marcas esse caráter de intervenção na realidade. Ao trabalhar com fontes desse tipo, é preciso perceber que a leitura das crônicas demanda de seus leitores e o do pesquisador, uma atenção às redes de interlocução a partir das quais elas são escritas com o esforço cuidadoso para decifrar o processo de sua elaboração narrativa. Se o cuidado e a ligação com a realidade aproximam a crônica de outros gêneros literários, tal paralelo esbarra, porém, em um elemento que a singulariza: a indeterminação. É o que especifica a crônica. O cronista está sempre sujeito ao imponderável do cotidiano, que tanto lhe fornece temas e problemas com os quais discutir quanto modifica e redireciona suas opções. 
O autor de uma crônica, tem também que contentar o público, trazendo a folha os temas e as questões de sua predileção. A crônica é assim gênero dialógico por excelência. Se o cronista faz dos seus textos um modo de intervir na realidade, influenciando assim os leitores, por outro lado ele tambem é influenciado por eles, cujas expectativas e interesses ajudavam a definir temas e formas que passaria a adotar. Por último, outra característica que singulariza a crônica é sua estreita ligação com a imprensa. Com tiragens muito maiores que outras obras impressas, os jornais se constituíram nos principais veículos de comunicação com o grande público. Mesmo sem se confundir em nenhum momento com o jornalismo noticioso, a crônica mostrava-se, mais do que qualquer outro gênero, atrelada ao jornal no qual era publicada.
Estas crônicas de A. Tito Filho fazem parte do material coletado na primeira fase da pesquisa, que é composta basicamente de fontes hemerográficas tais como:
1 – As crônicas e artigos publicados em revistas especializadas como “Cadernos de Teresina”, “Revista da Academia Piauiense de Letras”, “Revista Presença”, além de outras publicações registradas e catalogadas durante a pesquisa, como por exemplo, o “Cadernos de Comunicações: A. Tito Filho”;
2 – Jornais datados a partir da década de 1940, disponíveis no Arquivo Público do Piauí, que servem para o mapeamento das crônicas e artigos do literato em estudo, assim como indícios de prováveis espaços que o literato tenha ocupado;
3 – Fontes bibliográficas e revistas pertencentes aos arquivos da Academia Piauiense de Letras;
4 – Por fim, artigos e notícias referentes à A. Tito Filho presentes em jornais e revistas especializadas.

Interessa-nos abordar as crônicas publicadas no final da década de 1940 nos jornais de Teresina, O Dia, A Resistência e O Piauhy, nos quais A. Tito Filho aborda questões que envolvem família, Estado e sociedade, dentre outros temas, mas com aquele caráter apontado anteriormente quando fazíamos uma caracterização da crônica, ou seja, são textos recheados de indeterminação. Uma discussão aparece em um jornal em determinado ano, mas só volta a ser discutida no ano seguinte, e mesmo assim já em outro jornal. Ou mesmo o caso de estar pesquisando um determinado jornal em um determinado ano, e ler um comentário do próprio autor apontado para o fato de que já tinha abordado aquele tema anos atrás. A situação só fica mais complicada, porque você fica na dependência do tal jornal estar ou não disponível para consulta. É um dos maiores obstáculos ao se trabalhar com fontes hemerográficas: não só o estado de conservação é importante, mas a própria disponibilidade em si. A segunda depende, e muito, da primeira. Assim, lidamos com textos do autor referentes aos problemas da cidade, e um dos primeiros textos, intitulado “Cidade sem Lei”, publicado no Jornal A Resistência, em 05 de novembro de 1949. A. Tito Filho inicia o texto comparando a cidade a um filme também chamado Cidade sem Lei(4), e então exibido no Cine Rex. Qualquer um que tivesse visto o filme, observaria o que estava se passando em Teresina, e no que dizia respeito à insegurança e à ordem pública dos cidadãos, era ela também “uma cidade sem lei”. Nos perímetros urbano e suburbano davam-se freqüentes roubos e furtos; a jogatina campeava em todos os recantos da cidade, “enfestada” por legiões de mendigos (alguns verdadeiros e outros falsos) que invadiam lares, cafés e restaurantes. Era possível ver até loucos, falando sozinhos e “soltando pinotes”, perambulando pela praça Rio Branco. Bem, isso era de dia, então A. Tito Filho traça o painel noturno: das oito da noite em diante a praça Rio Branco se transforma “em cabaré ao ar livre”, já que na mesma se aglomeravam dezenas de meretrizes. E finaliza apontando para a indiferença criminosa das autoridades, sobretudo por parte de Rocha Furtado (5), diante de tais fatos humilhantes e vergonhosos.
Diante de afirmações desse tipo, fica-se com a impressão de que temos duas opções: ou A. Tito Filho é um grande reacionário (ou conservador, ou seria o inverso?) ou o seu texto (que trata dos problemas da cidade) é um pretexto pra atingir o governador. Na verdade, qualquer uma das opções seria um julgamento. E a história já ultrapassou esse tipo de análise, ou pelo menos é que se espera que ela tenha alcançado. Cabe então ao pesquisador procurar outras fontes, para que possamos fazer comparações, já que este é um dos elementos que mais identificam a crônica ou o trabalho com a crônica: a série. Então, no Jornal O Dia de 17 de abril de 1960 (ou seja, uma década depois), em um texto intitulado A vaca e o Hotel, A. Tito Filho segue reclamando dos problemas da cidade, mas dessa vez já conseguimos identificar alguns elementos que vão além de uma simples critica política (não que houvesse algo de errado nisso):
São 6 horas da tarde de 13 de abril: não há luz. Já comprei, para hoje, 2 pacotões de velas por Cr$ 80,00. O IAEE (6) pagará essa despesa? O IAEE já pagou Cr$ 600.000,00 de lenha que deve ao amigo Edison Parente? Até quando o IAEE martirizará um povo, o povo teresinense?
Minha cozinheira afirma que lenha é coisa de civilização primária. Até quando o IAEE entende que o Piauí deva viver nesse primitivismo de civilizações? Quantas industrias, nesta terra, necessitam de energia? Quantos processos de vida estão sendo sufocados pelo IAEE? Atesta a LBA, em oficio, que o deve mandar desobstruir fossas dos meninos das Ilhotas. Para isto que serve o IAEE? As turbinas vivem de lenha, primariamente. Energia que vem das turbinas. Quanto deve o IAEE aos fornecedores de lenha para movimentar as turbinas?
Verdade é que o IAEE só tem sido útil aos ladrões noturnos e ao comercio de velas. A mais ninguém. Graças a Deus de cá dos meus domínios ladrão leva o que se leva da vida: nada. Mas tenho padecido muito, sem defunto em casa, com compra diária de pacotões. Cr$ 40,00 cada um. Pior que eu só o correto Edison Parente: compra pacotão e não recebe o dinheiro da lenha que vendeu ao IAEE. (Grifos do autor)

Aqui já conseguimos perceber elementos bem mais elaborados do que no texto anterior, que realmente tinha um tom de ataque político que (poderia) sobressair-se na totalidade da fala do autor. Apontar a lenha como algo pertencente a civilizações primárias dão pistas, indícios, de que há uma tentativa de elaboração de um discurso que tenta organizar a cidade, apontar seus defeitos, os culpados, e conseqüentemente as soluções. Assim, a falta de luz só pode mesmo ser algo absurdo, coisa de país (ou cidade) atrasada. Além de atrasar os “processos de vida” e as necessidades das indústrias. Ora, o IAEE estaria então atrasando o progresso. Mas será possível que o autor se contentaria apenas em querer organizar a cidade? Pesquisando os textos do autor publicados no Jornal O Dia, percebemos que organizar a cidade é apenas uma etapa do processo, é preciso dar conta das pessoas também, ou melhor, da sociedade.
Durante a pesquisa acabamos recuando novamente a década de 1940, e se deparando com a questão dos jogos de azar em Teresina. Ora, se é do interesse do autor organizar a cidade, civilizá-la, correr o risco de se deparar com algo tão complicado como o jogo, tido já naquele momento como crime, era insuportável. Assim, A. Tito Filho fala sobre o jogo em Teresina no Jornal O Piauhy de 1948:

“A primeira vez que tomei parte numa banca de jogo, entrei com 35$000 e tive uma sorte inaudita. Dominei a fama dos veteranos de bacará, e, pela madrugada, quando em retirei, levava, no bolso, mais de 800$000, alem do que me ficaram devendo. É fácil imaginar meu deslumbramento deante de tamanha fortuna! Mas engano dalma ledo e cego. Daí por diante experimentei todas vicissitudes do azar caprichoso e traiçoeiro. Passei a servir de joguete nas mãos dos mais espertos.”

Higino Cunha – “Memórias”.

Acrescenta o mestre:

“Persisti durante cerca de três e fui obrigado a abandonar para sempre o jogo de cartas, malferido na bolsa e na reputação e convenci-me da minha incapacidade para tão arriscado mister”. E mais: O jogo “não cria amizades sinceras e duradouras, nem simpatia entre os homens. Mesmo ganhando-se dinheiro, perde-se a confiança no trabalho regular e o tempo que devera ser aplicado em outros misteres, perde-se o credito e a boa fama, e adquirem-se habitos maus, que envenenam a existencia de modo irreparável!”

Despe, leitor amigo, a roupagem vistosa com que te apresentas ante as frivolidades da sociedade e vem comigo, lado a lado, para uma peregrinação noturna nos antros da jogatina. São oito horas da noite, é cêdo, a cidade toda mergulhou na sonolencia, depois do trabalho exaustivo de seus habitantes. Arrulham ainda poucos casais nos bancos de praça, mocinhas acabam de cansar as batatas da perna volteando na pista da Pedro II. Daqui a pouco tudo dorme. Apenas funciona o jogo, a terrível chaga social – sorvedouro da honra de muitos, desgraça de tantos lares, causa de inumeras tragedias. Funciona o jogo, leitor amigo, no centro da antiga Chapada do Corisco – nos clubes, nos bares, em casas particulares, em toda a parte. Desaparecem, no torvelinho medonho da jogatina, o pão, a roupa, o livro, a educação de muitas crianças teresinenses. Esposas aflitas rezam no recesso de residencias humildes, chupando muitas vezes a carie de um dente, ou, em cima de três pedras, preparam um ralo mingau de farinha com que entupir o bucho das crianças famintas, enquanto o marido, no covil da jogatina, descarta-se do dinheiro, do relogio e da aliança de casamento para para alimentar o terrível vicio – fumando e bebendo, dores nas costas, debrucado na mesa fatídica, ou avido, nervoso, espiando a roda de roleta, atento ao ruído da palheta, ou, ainda, ouvido apurado, marcando numeros, à espera de que lhe dêem, no víspora, a pedra boa ...

JOGO, MUITO JOGO

- Cinqüenta e cinco ... numero oito ... noventa ...
É a voz arrastada do chamador, anunciando as pedras do víspora, uma a uma, os viciados, palidos  e pigarrentos, marcam os cartões, entre baforada de um cigarro quando estes desgraça os restos de pulmões e o trago de aguardente que lhes corroe as tripas ...
Reino da batota e do deboche – a comunidade de caras mal dormidas se expande, depois do ultimo rateio, no linguajar de calão, parebenizando os felizardos da noite e consolando, com uma palmada nas costas, so companheiros de desgraça e desventura.
Um pouco mais adiante, leitor amigo, o croupier anuncia, com gosto infinito, o ultimo lance da roleta miserável:
- Deu 15, jacaré ... Cercado com dois mil reis.
O desgraçado, mãos nos bolsos, coçando os ultimos tostões do ordenado ou as ultimas economia do pé de meia, lembra-se do sonho de tres dias atras, soma, multiplica, subtrai, divide por dez – e verifica, após maldizer a sorte ingrata, que o bicho era mesmo o jacaré ...
A RONDA DOS AGIOTAS

Não se assuste leitor amigo. Estiremos as peruas um pouco mais, e observemos a praga do jogo. Da Praça Rio Branco à Piçarra, da Piçarra as imediações da Praça Landri Sales, desta a rua Álvaro Mendes, daqui à rua Areolino de Abreu. Das frestas das janelas e das portas, saem os minusculos focos das luzes denunciadoras. Em tudo domina o silencio, impera o sussurro. Poucas vezes reboa a gargalhada. Ouve-se bem o ruído de mãos tremulas traçando o baralho. Poker. Bacarat. Pifpaf.
O Parceiro “chora” as cartas, visando à sensação. “Entrou no meio”, “seus vinte e mais quarenta”, “abro com dez”, “colei uma sequenciazinha” – são as frases ensaiadas, ensarilhadas, engatilhadas ...
Em volta das mesas, as duas qualidades de assistente: o “peru”, que tudo perdeu, inclusive o caminho da honra, e o agiota, na ronda macabra, olhos fitos nas joias do parceiro infeliz, consciencia firme nos 40 % ou 50 % de lucros à custa da vida hipnotizada ...

UMA CARTA E UM APELO

Já vimos muito, leitor amigo, mas não vimos tudo, embora estas pequenas anotações sejam suficientes para uma carta e um apelo, redigidos uma e outro, nos seguintes termos:
“Meu caro delegado Neiva. Estivemos juntos, pela ultima vez, se me não falha a memória, em a noite de 6a. feira. Tornei, nessa ocasião, a falar-lhe do jogo – e mantivemos, sobre o assunto, cordial conversação. Perseguir os pobres e humildes jogadores de sete e meio e relancim, privar-lhes do vicio, processar os pequenos exploradores da desgraça alheia, enquanto os ricos e poderosos, os de gravata e sapatas engraxados, podem, livremente, praticar o poker, o pifpaf, o vispora – é cousa que se não coaduna com o seu feitio moral. A lei das Convenções Penais não faz exceção. Exceção não faz o decreto-lei 9.215, de 30 de abril de 1946, assinado pelo General Eurico Dutra – disse-me você, lembrado talvez de que muitas mães de família lhe imploravam guerra total ao terrível vicio.
Esposas pobres e esposas ricas lhe imploram a esmola do combate ao jogo. Filhos doentes, desnutridos, atacados de lombrigas, olhos remelentos – necessitam dos cuidados que lhes proporcionam os dinheiros sumidos na voragem do jogo. Só voce, meu caro Neiva, com apoio sadio do eminente Governador Rocha Furtado e do ilustre Chefe de Policia, pode dirigir um ultimatum a todos os exploradores, declarar-lhes guerra, aferrolhar os antros, processar os criminosos. Nas suas mãos encontram-se as armas – todas legalissimas – com as quais poderá você aniquilar o mal medonho, que tudo arruina, que tudo avilta, que tudo desgraça.
E depois da limpeza, meu caro Neiva, poderá voce, com a consciencia tranqüila ler esse trecho sublime:
‘Esse mal – o jogo – que, muitas vezes, não se separa do lupanar senão pelo tabique divisório entre a sala e a alcova; essa fatalidade, que rouba ao estudo tantos talentos, á industria tantas forças, á probidade tantos caracteres, ao dever domestico tantas virtudes, á pátria tantos heroismos, reina sob a manifestação completa em esconderijo, onde a palavra se abastarda em calão, onde a personalidade humana se despe de seu pudor, onde a embriaguez da cubiça delira cinica e obscena, onde os maridos blasfemam pragas improferíveis contra a honra conjugal, onde, em uma comunhão odiosa se contraem amizades inverosimeis, onde o menos que se dissipa é o tempo, estofo precioso de todas as obras primas, de todas as utilidades solidas, de todas as ações grandes. Inumeravel é o numero de criaturas, que a tentação, o exemplo, o instinto, o habito, o acaso, a miseria humana, a passar por esses latibulos, cuja clientela vai periodicamente fazer-se apodrecer ali por gozo, por avidez e na corrução, em cujos misterios cada iniciado se afaz a ir deixando ficar, aos poucos, a energia, a fé, a nobreza, o juizo, a honra, a temperança, a caridade, a flor de todos os afetos, cujo perfume embalsa e preserva o caráter’.
Tambem exerci o cargo de Delegado de Transito e Costumes, do qual me exonerei por livre e espontanea vontade, meu caro Neiva. Conheço muito bem as lutas que você está tendo para desempenhar suas funções e corresponder á confiança da sociedade. No exercício das minhas funções tudo fiz para exterminar o jogo, graças a Deus.
Mas não fiz porque se exonerou da Chefia de Policia o Dr. Eurípedes de Aguiar, que sempre me deu inteiro apoio na luta terrível.
Sei que você atenderá, dentro das suas forças e da sua boa vontade, servido por um elevado espírito de honestidade, este apelo.
Um cordial abraço do A. TITO FILHO”.
    
Além das questões relativas a cidade e os seus problemas, é possível perceber nesta crônica boa parte das características apontadas por Chalhoub.  A leveza do texto, elaborado num formato espontâneo, como uma conversa. A cumplicidade entre autor e o leitor, onde A. Tito Filho assume a responsabilidade de levar o leitor (como que pela mão) por caminhos tortuosos e perigosos da cidade, e que poucos (provavelmente) conhecem. A intervenção na realidade, que é clara, sobretudo na riqueza dos detalhes das descrições, bem como nos apelos feitos aos devidos responsáveis para que medidas sejam tomadas. E mantendo a estreita ligação com a imprensa, já que mantém a todo o momento o tom jornalístico do texto. Não nos esqueçamos do conteúdo da crônica em si, o problema dos jogos de azar. Em outra crônica, dessa vez no Jornal A Resistência de 07 de agosto de 1949, pouco mais de hum ano depois, o autor volta a abordar o mesmo tema, no que ele diz ser a primeira de uma série de reportagens sobre o assunto.
Na verdade, o único texto que conseguimos localizar foi esse, o que acabou se configurando como aquilo que Chalhoub chamou de indeterminação. Apesar do que o autor informou, esta perece ter sido a única reportagem sobre o assunto. Pesquisando nos jornais dos dias e meses seguintes, outras reportagens não apareceram. Por quê? Dificílimo apontar algum motivo. Podem ter ocorrido pressões por parte de autoridades, políticos, ou mesmo simplesmente apareceu algo que o autor considerou mais importante cobrir. De qualquer forma, fica claro no texto a preocupação do autor com o jogo. Aponta que o jogo de azar campeia livremente nas ruas da capital teresinense, no que considera uma afronta a Nação inteira (!) e às leis que governam a sociedade, como que desafiando as autoridades, fazendo com que se duvide até que por trás dos bastidores políticos existam pressões interessadas e coniventes com a situação (tida como criminosa).
Para o autor, dentre as piores coisas que poderiam acorrer na cidade, a prostituição (desenfreada), o alcoolismo (sem repressão), a mentalidade sem auxilio prático e resoluto do Governo, da infância delinqüente e abandonada, o jogo se enfileira e sobrepõe a qualquer outro problema, porque derruba instituições, degrada a mente e abre caminho para o crime. O jogo era considerado como o início do fim, já que quando em uma nação ou Estado as pessoas procuram no vício do jogo um motivo para sua degradação moral, o que existe de mais puro nelas estará perdido. Interessante também observar como o autor descreve o próprio trabalho de reportagem:

O nosso objetivo era atingir o covil do jogo. Vê-lo de perto. Sentir as sensações que ele nos oferece para podermos pintar o quadro real para os nossos leitores. Dez mais ou mais cambistas ali estavam localizados. De momento a momento, as poules eram arrancadas dos talões e os centavos e os cruzeiros dos incautos caiam em seus bolsos como o maná do Céu no Sermão da Montanha. Mas, não era ali o Quartel General do jogo do bicho. Não seriam, também, o “Bar do Carvalho” e o “Restaurante Cairú”, os pontos de reuniões dos transgressores da lei! 
   
   Enfim, independentemente do pensemos sobre o jogo do bicho hoje, ou mesmo os contemporâneos de A. Tito Filho, a espeficifidade de um tema como esse, para um leitor de hoje, apresenta a necessidade de uma cuidadosa tarefa de interpretação para decifrar e decodificar os termos do cronista. Só assim será possível relacionar definitivamente estes textos a realidade que é, ao mesmo tempo a matéria-prima e o horizonte de intervenção do cronista. Longe de refletir ou espelhar um momento da história de Teresina, o que o autor tenta é conhecê-la da forma mais aprofundada possível, indo onde seja necessário, e assim transformá-la. Pra isso, ele se vale de um tom leve, que atrai o leitor, em conjunto com o alcance possibilitado pelo trabalho na imprensa. Assim, ele também acaba conseguindo traçar um perfil para suas séries, que torna as crônicas uma forma de trabalho ainda mais complexo de se lidar, enquanto fonte.    


Referências Bibliográficas

BENJAMIN, WALTER. O narrador: considerações sobre a obra de Nicolai Leskov. In: Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet; prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. 253 p. – (Obras Escolhidas: Vol. 1)

BRANDIM, Ana Cristina Meneses de Sousa. Cotidiano, Narratividade e Representação na Teresina de meados do século XX. Teresina: UFPI, 2006. 170 p. Dissertação. Curso de Mestrado em História do Brasil, Universidade Federal do Piauí, 2006. 

CHALHOUB, Sidney; NEVES, Margarida de Souza; PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda (Orgs.). Histórias em cousas miúdas: capítulos de história social da crônica no Brasil. Campinas: UNICAMP, 2005. 590 p. (Coleção Várias Histórias)
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NOTAS
(1) Graduado em Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Piauí . 

(2) Professora-orientadora, Mestra em História do Brasil pela UFPI e Doutoranda em História pela UFPE.

(3) José de Arimathéia Tito Filho (Barras, 1924 – Teresina, 1992) era historiador, cronista, jornalista, professor e foi presidente da Academia Piauiense de Letras (APL).

(4) A. Tito Filho provavelmente está se referindo ao filme San Antonio, lançado em 1945 e dirigido por David Butler, que contava a história de Jeanne Starr (Alexis Smith), uma dançarina de salão que trabalhava para o chefe do crime local e que acaba se apaixonando pelo “mocinho” Clay Harden (Errol Flynn).    

(5) José da Rocha Furtado governou o Estado do Piauí no período de 1947 a 1951 e faleceu em Fortaleza (CE) no dia 27 de fevereiro de 2005, aos 96 anos de idade, vítima de vítima de parada cardíaca.

(6) O Instituto de Águas e Energia Elétrica (IAEE) foi o órgão antecessor da AGESPISA (Águas e Esgotos do Piauí S.A.) criada através das leis estaduais n.º 2.281, de 27 de julho de 1962 e 2.387, de 12 de dezembro de 1962 e da CEPISA (Centrais Elétricas do Piauí S.A.) que foi criada em 08 de agosto de 1962.