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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

SOBRE O ACERVO A. TITO FILHO

1. COMO SURGIU

Surgiu como um projeto de pesquisa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Estadual do Piauí (PIBIC-UESPI) elaborado pela professora Ana Cristina Meneses de Sousa Brandim (UESPI) em 2006 e durou até o segundo semestre de 2008. O programa dá direito ao professor ter como pesquisadores/bolsistas alunos da graduação, o que me possibilitou participar da pesquisa.

O projeto, na época intitulado “História e Literatura: pesquisa, catalogação, digitalização e revisão da obra de Arimathéia Tito Filho”, buscava contribuir para a ampliação das questões mais pertinentes no cenário atual da historiografia: perceber como nossa identidade de teresinense foi moldada pelo discurso (FOUCAULT, 2001) que partiu da Academia Piauiense de Letras na figura do seu presidente Arimathéa Tito Filho, que foi presidente da instituição por pouco mais de duas décadas, formulando e alicerçando bases que ainda hoje são referências para a forma como nos relacionamos com a cidade de Teresina. No projeto também estava estabelecido que não tínhamos como proposta fazer uma biografia de A. Tito Filho, mas utilizar sua produção textual como base de um estudo que nos ajudasse a entender o presente e o passado da cidade.

No aspecto teórico, a proposta era articular um diálogo permanente com linhas de pesquisa que aderem a História Cultural, principalmente porque procurávamos então estudar os laços estreitos que ligam o conhecimento às formas como se dá a sua produção.

2. JUSTIFICATIVA

A proposta de pesquisar, catalogar, digitalizar e por último publicar o material coletado buscava realçar a linha de pesquisa referente as relações entre História e Literatura. Visávamos fazer um levantamento da produção de A. Tito Filho em vários meios de comunicação como jornais, revistas, manuais, artigos, etc. e aquelas que se encontram em poder dos familiares e amigos, desconhecidos do público, e que necessitam ser reunidas no intuito de conhecermos ainda mais acerca da história de Teresina e do Piauí e que implicações elas trazem para a historiografia piauiense.

A professora Ana Cristina relata que esse trabalho surgiu “principalmente de uma constatação realizada a partir das pesquisas efetuadas na dissertação de Mestrado, onde ao trabalhar com a abordagem entre História e Literatura, observou-se que havia nos jornais O Dia da década de noventa do século XX, uma quantidade significativa de crônicas de autoria de A. Tito Filho, que se mostrou de uma riqueza impressionante sobre abordagens de diferentes nuances da nossa cidade. Além dessa percepção soube-se que havia ainda outros materiais em diferentes jornais onde escreveu e apanhados jornalísticos em várias revistas. A necessidade de fazermos uma busca e sistematização desse material é fundamental na contribuição de uma leitura historiográfica que incida novas abordagens e crie uma necessidade de (re)examinarmos nossas construções referentes a pesquisa e confecção de um “dito” sobre nossa história do Piauí”.

A pesquisa, assim, partiu de 03 interesses principais:

1) Ampliar os debates em torno da nossa identidade cultural;

2) Realizar uma pesquisa e catalogação de um material que oriente outras pesquisas e fomente novos estudos e

3) Digitalizar e divulgar o material ao público.

3. OBJETIVOS

Como objetivos gerais, a pesquisa buscava:

- Viabilizar a pesquisa, catalogação, digitalização e utilização do material relativo as crônicas e outras produções literárias do acadêmico Arimathéia Tito Filho para fins de publicação e contribuição para a  historiografia piauiense.
Como objetivos específicos:

- Registrar as crônicas e outras atividades literárias de Arimathéia Tito Filho presente nos levantamento catalográfico das publicações do literato realizadas em vários meios de comunicação como jornais, revistas, manuais, artigos e ainda aquelas que se encontram em poder dos familiares e amigos;

- Ampliar os debates em torno da nossa identidade cultural procurando relacionar e analisar os costumes, cotidianos, sensibilidades, permanências e modificações presentes no discurso do literato em questão;  

- Realizar uma pesquisa e catalogação de material que oriente outras pesquisas e fomente estudos sobre as relações existentes entre a Academia Piauiense de Letras e as incursões realizadas em torno da definição de uma identidade para Teresina e para o Piauí;

- Digitalizar e utilizar o material adquirido pela pesquisa para a confecção e publicação de uma obra que tenha como propósito à reunião de uma parte do material pesquisado e a sua posterior análise advinda tanto da pesquisadora proponente, do bolsista, como de outros pesquisadores da área.

4. METODOLOGIA

Partindo dos pressupostos trabalhados por Ginzburg (1989) num artigo já conhecido, buscávamos traçar um painel da Teresina presente na produção de A. Tito Filho. Assim, buscava-se o acesso às mais diversas fontes:

- As crônicas encontradas em revistas especializadas como “Cadernos de Teresina”, Revista da Academia Piauiense de Letras, “Presença”, além de outras que precisam ser registradas e catalogadas;

- Jornais das décadas de 70 a 90 do século XX, disponibilizados no APPI (Arquivo Público do Piauí) que sirvam para o mapeamento das crônicas e artigos do literato em questão;

- Fontes escritas que estejam em poder dos familiares e amigos e que oportunizem a percepção das mudanças e permanências que se efetuaram no espaço urbano de Teresina;

- Materiais escritos que pertençam ao arquivo da APL, Monsenhor Chaves, e outras entidades que forem ao longo da pesquisa sendo detectados;

- Fontes orais que oportunizem o cruzamento entre o escrito e as vivências particulares do literato no sentido de serem usadas durante o processo de publicação.

O trabalho de pesquisa destes textos se deu majoritariamente no Arquivo Público do Piauí, e esse material foi registrado por meio de uma câmera fotográfica digital. Havíamos proposto também no projeto, como mostrado acima, realizar a catalogação e registro de acervos particulares. Mas essa parte do processo ainda não foi realizada. De qualquer forma é importante deixar claro que a reunião desses dois acervos (o público e o de particulares) servirá como registro e mapeamento da produção de A. Tito Filho. Existem também alguns jornais em que A. Tito Filho escreveu durante as décadas de 1970 e 1980, como “O Estado” e “Jornal do Comércio” que ainda não tive tempo nem condições de pesquisar, por motivos que não vem ao caso aqui. Além de um trabalho que visa (como colocado no projeto) criar um acervo oral, que visaria registrar dados sobre o literato utilizando-se das técnicas referentes à História Oral. A proposta seria trabalhar com dois grupos: primeiro aqueles que tiveram contato de trabalho com o mesmo e depois o grupo dos familiares e amigos.

5. SITUAÇÃO PRESENTE

Atualmente a pesquisa, não mais inserida no âmbito institucional do PIBIC/UESPI, desenvolve-se principalmente em duas frentes: no Doutorado em História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em pesquisa da professora Ana Cristina, que tem como título “Entre letras e papéis: intelectualidade e vida literária em Arimathéia Tito Filho". E no trabalho que venho desenvolvendo no blogger intitulado Acervo A. Tito Filho, iniciado em fevereiro de 2010, onde estou publicando diariamente a produção jornalística do autor. Hoje a proposta já se dividiu em 08 blogs:

- Acervo A. Tito Filho (1): onde já terminei de postar todos os textos produzidos em 1988 no Jornal O Dia.    

- Caderno de Anotações (2): onde são postados os textos da coluna Caderno de Anotações, do Jornal do Piauí da década de 1970.

- Acervo A. Tito Filho (3): onde estou postando os textos produzidos em 1960 no Jornal O Dia.

- Acervo A. Tito Filho (4): onde já terminei de postar os textos produzidos em 1987 no Jornal O Dia.

- Catálogo A. Tito Filho (5): onde estou postando informações sobre os livros escritos por A. Tito Filho, bem como sua disponibilidade nas bibliotecas e que obras estão disponíveis. Pretendo também manter atualizações acerca do estado de conservação das obras.

- Acervo A. Tito Filho (6): onde estou postando a produção do ano de 1988 no Jornal O Dia.

- Acervo A. Tito Filho (7): neste espaço, pretendo divulgar trabalhos que tem como objeto a produção de A. Tito Filho ou que tenham os textos dele como uma de suas fontes; textos produzidos por A. Tito Filho que tenham um caráter mais teórico, de critica de literária, etc.; bem como (porque não?) manter um observatório da pesquisa em história no Piauí. Sem esquecer-se de textos produzidos por pessoas que conviveram com o autor e estudaram sua obra.

- Acervo A. Tito Filho (8): onde estou postando a produção referente ao ano de 1989, no Jornal O Dia.

- Acervo A. Tito Filho (9): neste blog estou montando um índice onomástico com o intuito de elaborar um índice de nomes próprios (que vão desde autores, políticos e personalidades até figuras anônimas que marcaram a memória do autor) citados por A. Tito Filho em seus textos. Isso permitirá, dentre outras possibilidades, roteiros e leituras cruzadas.

6. CONCLUSÃO

Divulgar a obra de A. Tito Filho tem um significado mais profundo: as mutações geradas à história o ingresso na era da textualidade eletrônica (CHARTIER, 2009). Assim, a textualidade eletrônica (o fato de a produção ser divulgada nos blogs) transforma a maneira de organizar as argumentações, históricas ou não, e os critérios que podem mobilizar um leitor para aceitá-las ou rejeitá-las. Quanto ao historiador, permite desenvolver demonstrações segundo uma lógica que já não é necessariamente linear e dedutiva, como é a que impõe a inscrição, seja qual for a técnica, de um texto em uma página. Permite uma articulação aberta, fragmentada, relacional do raciocínio, tornada possível pelos blogs.

Assim, se você realizar uma pesquisa com base nos textos dos blogs, a validação ou a rejeição de um argumento pode se apoiar na consulta de textos que são o próprio objeto de estudo, com a condição de que, obviamente, sejam acessíveis na internet ou em outro meio digital (um cd ou pen drive, por exemplo). No texto impresso isso geralmente não é possível. Então, caso você faça uma pesquisa que tenham os textos de A. Tito Filho como uma das fontes ou mesmo ele A. Tito Filho (digo a sua produção) seja o objeto da pesquisa, seria interessante criar links no texto para que o leitor possa ter acesso a fonte na íntegra. Você pode até mesmo divulgar a versão impresso do texto de sua pesquisa em conjunto com o mesmo texto gravado em um CD-R. Assim, com um PC com acesso a internet o leitor poderia ter acesso aos links que você criou. A pesquisa em história que tem como base os blogs que eu listei acima possui como aspecto dos mais interessantes e cativantes justamente essas possibilidades.

Por Jordan Bruno Oliveira Ferreira.

BIBLIOGRAFIA

Brandim, Ana Cristina Meneses de Sousa. Cotidiano, narratividade e representação na Teresina dos meados do século XX. / Ana Cristina Meneses de Sousa Brandim. Teresina: UFPI, 2006.

CHARTIER, ROGER. A história ou leitura do tempo. – tradução de Cristina Antunes – Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

CERTEAU, Michel De. A operação historiográfica. In: ______. A Escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Meneses – 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 65-122. 

DARNTON, Robert. História da leitura. In: BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História: novas perspectivas. - Tradução de Magda Lopes – 2. ed. São Paulo: UNESP, 1992. p. 199-236.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2001.

GINZBURG, Carlo. Raízes de um paradigma indiciário. In: ______. Mitos, emblemas, sinais. São Paulo. Companhia das Letras,1990.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A. TITO FILHO - sob o signo da paixão

Já se disse, e com razão, que nenhum homem é maior que sua época. Mas é inegável que existem homens que, com seu esforço, contribuem para tornar menos ruim a época em que vivem. A. Tito Filho, estou certo, foi um deles.

Não fosse lugar comum, diríamos que A. Tito não foi um, foi muitos: o boêmio, o professor, o jornalista, o advogado, o polemista, o pesquisador, o polígrafo... Até onde sei, e não sei muito. A. Tito Filho teve uma existência marcada por intensas paixões, o que talvez explique a sua capacidade de realização, afinal, como queria Alain, "são paixões e não os interesses que conduzem o mundo". A paixão de A. Tito Filho pelos livros era algo incomum; lendo, escrevendo, prefaciando, comentando e, principalmente, distribuindo prodigamente livros a mancheias, consumiu boa parte de sua vida útil. Ninguém visitava a Academia Piauiense de Letras sem receber dele livros de presente, mesmo que fosse uma daquelas brochurazinhas ordinárias que se vendem no quilo nas praças de qualquer cidade. Sem o menor preconceito, lia tudo: do cordel à filosofia. Não se conclua daí que Arimathéa fosse um homem de leituras apressadas ou desordenadas; quando necessário, lia com acuidade, lia com a inteligência. A melhor prova disso está no seu ANGLO-NORTE AMERICANISMOS NO PORTUGUÊS DO BRASIL (Editora Nórdica), obra única no gênero no Brasil.

A paixão de A. Tito pela APL estava bem próxima da devoção. A ela dedicou o melhor de sua existência; conferiu-lhe a credibilidade e o dinamismo de que as academias tanto carecem. Ali recebia a todos indistintamente, mesmo os chatos incorrigíveis que a ele recorriam à cata de prefácios elogiosos. E, a bem da verdade, o "presidente perpétuo" não se fazia de rogado: distribuía-os prodigamente. É certo que, uma que outra vez, estilava nas barbas do freguês o seu humor corrosivo. Presenciei um fato que me parece digno de registro: procurado por um poeta que lhe cobrava prefácio para um "novo" livro de poemas, nem se dignou a ler os originais. Entregou-os ao poeta coma recomendação: "Pode usar aquele prefácio que escrevi há vinte anos: sua poesia não mudou".

Mas de todas as paixões, a mais escancarada foi a que devotou a Teresina, sua "cidade amada". Mesmo sem procuração ou mandato, investiu-se do papel de defensor da cidade e levava tão sério esse mister, que, não raro, amealhava antipatias generalizadas. Em defesa da cidade, comprava brigas em muitas frentes. Brigava com os pichadores que emporcalham os muros com frases vulgares; criticava os que afeiam as ruas com letreiros e placas cheias de erros grosseiros; não perdoava aos que, criminosamente, deformam o perfil arquitetônico de Teresina, movidos pelo espírito especulador. Mas o que A. Tito Filho mais fez em toda a sua existência foi tentar incutir nos habitantes de Teresina algum amor por essa sofrida cidade. Infelizmente não o conseguiu. De qualquer forma, fez a sua parte, o que o credencia a merecer a gratidão dos que lutam para transformar Teresina num lugar onde se possa morar e viver dignamente.

Valeu a pena, mestre.  


Cineas Santos, 01/07/1992, Jornal O Dia

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

ARIMATHÉA TITO

No adeus a Arimathéa Tito Filho dado há pouco, no Cemitério São José, dissemos que sua figura dominou a vida cultural e social do Estado por mais de um quarto de século. Escritor, polígrafo, dono de uma cultura humanística das mais bem sedimentadas, era, além disso, um artífice da palavra e um mestre na maneira de bem dizer. Animador da cultura piauiense, em todas as suas manifestações, era pessoa presente a todas as suas expressões mais vivas. A Academia Piauiense de Letras, a que emprestou o melhor de seus talentos de administrador, já sobejamente comprovada na direção do Liceu, nas Secretarias de Cultura e da Educação, muito lhe deve pelo que hoje representa na vida cultural piauiense.

Era um mestre completo em todas as formas de manifestação do pensamento. Professor brilhante, jornalista dos maiores que tivemos, diariamente prelecionava sobre os mais variados assuntos nesta mesma coluna de jornal.

Historiador e cronista de nossa história, sobretudo de nossa Teresina, cidade a que dedicava especial carinho, deixou obras do maior interesse historiográfico, como Sua Excelência, O Egrégio, Governadores do Piauí, Teresina, meu amor, Crônica da cidade amada, Sermão aos Peixes e inúmeros outros, e pôde oferecer em todos eles uma amostra de seu espírito altamente indagador dos sucessos de nossa história.

Foi também um revisor de nossa historiografia e de nossa literatura, comentando obras de Abdias Neves, José Coriolano, José Pires de Lima Rebelo, Hermínio Castelo Branco, celebrado autor de Lira Sertaneja, que com isto ganharia maior dimensão no panorama de nossa cultura.

Era realmente Arimathéa, como há pouco dissemos à beira de seu túmulo, uma figura de exceção. Sua predileção pelos humildes, pelos carentes, era um dos aspectos mais conservadores e mais significativos de sua personalidade. A eles e aos seus problemas dedicava grande parte do seu tempo, por ele administrado de maneira a aproveitá-lo em toda a sua integralidade, como se adivinhasse que tão breve dele não mais disporia.

Sua dedicação aos problemas da cultura era das mais perfeitas, eis que havia assunto que a ela dissesse respeito que não merecesse de Arimathéa o mais vivo interesse.

A Academia Piauiense de Letras, por ele organizada em padrões modernos, em sede própria obtida em sua profícua gestão, perde um pouco de sua vida tão dinâmica com o desaparecimento de um de seus maiores
presidentes.

Octávio Tarquínio de Sousa, em sua Vida de Pedro I, diz no final deste livro consagrador da rara personalidade do nosso primeiro Imperador, que ele não era um homem de ordinária medida.

Arimathéa, uma das maiores cerebrações do Piauí, não foi um homem de ordinária medida.


 
Por M. Paulo Nunes - Presidente do Conselho Estadual de Cultura do Piauí - no Jornal O Dia, 25 de junho de 1992.