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domingo, 1 de julho de 2012

A POESIA DE MARTINS NAPOLEÃO

Faz uns dois meses procuro penetrar a obra de Martins Napoleão - a obra poética. É quanto mais leio os seus extraordinários versos, mais ajoelho perante a sabedoria do poeta. Deus e céu - eis a razão primeira dos poemas desse camoniano inimitável. Não sei se nele Deus é sabedoria, ou fé:

- A forma por que Deus se faz presente...

- Povoado é o céu e a terra está vazia...

- A poesia está no céu suspensa...

- O céu como um navio iluminado...

- O céu atônito fechando as portas...

- E o céu se enrole como um pergaminho...

- Como força do céu descomedida...

- Ergui os olhos para os céus...

- O céu distante como olhar de cego...

- A pureza da terra aspira ao céu...

- Como que deus está por trás da noite...

- Pelo espaço não há mais céus recurvos...

- Céu mais belo em reflexos de águas mansas...

- Parece que já estão subindo aos céus...

- E esta obsessão daquele céu lavado...

- Só por amor de Deus amando as almas...

Depois de Deus, depois do céu, aquilo que Deus tanto pregou, no exemplo do filho, o sofrimento. A poesia de Napoleão semelha lágrimas e dor, é sofrimento - projeção de Deus no filho Cristo:

- A dor em que ando imerso...

- Chorei, chorei, chorei...

- Que eu canto como quem chora...

- Quando se quebra o cântaro dos prantos...

- Como estrelas chorando sobre a serra...

- Não sei se existe, sei que chorei...

- Se a luz já vem na lágrima que desce...

- E na boca este gosto de desgosto...

- Não sei se é suor ou se é lágrima...

- É o meio de esquecer que estou sofrendo...

- O gosto de cantar se faz desgosto...

- A luz é a maior lágrima do mundo...

- Para em lágrimas rogar...

- Uma vontade simples de chorar...

Depois, a pedra, como simbolização das durezas espirituais da vida:

- Pedras de almas!

- Em óleo a palavra é mole, em pedra torna-se dura...

- Como que escalavra a pedra da boca...

- Arremessar-te ao chão de pedra...

- Árvore, pedra, casa abandonadas...

- Brota do coração das pedras...

E o vento, - o vento tempestuoso, ou o sopro doce e poderoso que dá vida à natureza:

- Pássaros e ventos...

- A noite como um negro vento...

- Estas palavras que soluço ao vento...

- Luta com o céu e o vento solitário...

- Cai a noite e o vento é forte...

- Vento da noite, na tua asa errante...

- Ó vagabundo vento...

- Leve-me agora, vento...

Adiante, os anjos. O mundo também é dos anjos. A gente não sabe se o poeta fala dos anjos maus, ou se são bons os anjos de Napoleão. Deus tem os anjos como seu espírito e Ele dizia que há os anjos bons, de quem Cristo afirmou que têm a face de meu Pai que está nos céus:

- Em meio aos anjos e às almas...

- Procuro não pensar nesse anjo louco..

- A desaparição total dos anjos...

- Anjo natural fechando as asas...

- Homem e anjo num só...

Volta-se o poeta para o mar, como roteiro de inspiração - o mar inimitável, bravio às vezes, às vezes sossegado - testemunho da grandeza da criação divina. Deus, céu, lágrima, sofrimento, anjo, agora o mar:

- O mar é que espelha o céu...

- O mar escande o verso...

- No brumoso mar...

- Em ti como no mar eu me aprofundo...

- Extraordinário mar...

- Amargo de mar em minha boca...

- Fui para o mar da vida...

Nele, o sonho. Quase tudo na sua poesia é sonho. Sonho permanente, sonho com a mulher amada, com a virtude, com a glória. Sonho com a felicidade tão distante dele. Deus, céu, lágrima, sofrimento, anjo, mar, sonho:

- O que uma estrela sonha a lua pensa...

- Mas tinha alguma cousa do meu sonho...

- Matei os sonhos que eram meus irmãos...

- A forma e a essência, o real e o sonho vão...

- Não é possível que haja visto em sonho...

- Ora sonham com Deus as criaturas...

- e deste sonho se ilumina a terra...

- Ó cavalo do sonho...

- Ó centauro do sonho...

- Sonho e derramo lágrimas...

- Os caminho do sonho são mudáveis...

- Quanto é difícil caminhar sonhando...

- Que o sonho não é sonho de verdade...

- Mas o ímpeto do sonho ia mais alto...

- Vi meu sonho de súbito subir...

- O sonho nasceu da noite...

E a presença da morte. O poeta aceita a morte como processo de extermínio do sofrimento - o sofrimento como imposição de Deus. Gourmont acentuou que ponto interessante no estudo da linguagem dos poetas está na determinação das palavras características do estilo do autor. Há em Napoleão forma e essência - dois aspectos do mesmo conteúdo significativo que Augusto Meyer encontra em Camões. Mallarmé admite que a poesia não se faz com idéias mas com palavras - palavras que sejam poesia. Napoleão domina a palavra, mas não falo da palavra como entidade fonético-psíquico-social. Ele a domina como conceito, porque lhe concede a origem e o processo semântico que ela - a palavra - padece. O português é forma do latim usual. Ninguém domina mais a palavra na sua propriedade do que Martins Napoleão, entre os contemporâneos. Falo, porém, da palavra na sua obra poética. Da palavra como poesia. Como conteúdo de poesia. Como mensagem poética. Já se disse que tudo em Tomás Antônio Gonzaga se expressa nos adjetivos formoso, lindo, mimoso, depois irado. Sim, irado na parte segunda do "Marília de Dirceu", escrita na prisão. Duro é o adjetivo de Camões, da forma que lhe foi dura a existência. Em Álvares de Azevedo há um fundo ideológico, a morte, com os adjetivos pálido, decorado, desmaiado, lívido, frio, gelado. O cunho religioso da obra de Alphonsus de Guimarães se patenteia nos adjetivos pobre ("predicado social e intelectual da religião") e mísero ("exprime na filosofia católica a condição ínfima da criatura à mercê da piedade de Deus"). Em Martins Napoleão a essência não se revela pelo adjetivo. Mas pelo conceito: Deus, lágrima, sofrimento, anjo, mar, pedra, vento, sonho, morte. eis alguns dos seus versos em que a morte vale a essência:

- Pouco me importa se é viva ou morta...

- Nesta manhã é a morte...

- Só a morte não tem origem...

- Antes de ti morreu uma açucena...

- Vendo a terra passar branca de morte...

- Invenção da saudade contra a morte...

- A morte verde ri com dentes amarelos...

- Aonde a morte chegou sempre tão doce...

- Às perguntas da vida para a morte...

- Onde começa e morre a nossa história...

Há verdade em dizer que o sofrimento sublima o homem. Cristo negou pregou o sofrimento com o exemplo. Sofrimento e luta, bem identificados. Martins Napoleão deve lembrar-se do seu soneto exemplar:

- Graças a ti, Senhor, pela esmola da vida!

A vida é a graça divina. Em razão disto, é luta. Foi concedida e doada para a coragem da luta. Cristo foi autêntico lutador. Lutador em benefício do sofrimento. em toda a obra de Napoleão se enaltece o sofrimento. Obra bíblica.

Martins Napoleão entendeu a angústia universal dos homens em solidão, dos homens sem afeto. Entendeu a civilização industrial e o seu cortejo de malefícios. entendeu que a máquina retirou a mulher do lar e do lar varreu o afeto, conseqüentemente a educação. O mundo é sombra:

- Entre as nossas sombras frias...

- Como através da sombra a luz solar...

- Mal roço aquela sombra...

- Se é luz ínsita em lâmina de sombra...

- Sombras arrebatadas pela frente...

- Só mesmo as sombras estariam perto...

- Como uma sombra transformada em pranto...

- Louvada seja aquela sombra humana...

- Sombras na terra só...

- As sombras estão cansadas, dormindo pelas estradas, rezai comigo...

Martins Napoleão vai falar sobre Camões. Orgulho para a Academia Piauiense de Letras trazê-lo aqui, sob o patrocínio do governador Alberto Tavares Silva. Daquele Camões que é o seu secretário, o secretário da sua poesia, da sua linguagem, das suas dores e dos seus sofrimentos. De Camões ele disse:

Vem a mim, meu tão certo secretário,
irmão mais velho em dor, amigo isento:
Só ao teu coração confio o vário
queixume que de amor experimento.

Para falar contigo abro o rimário
dos teus sonetos e canções, e ao vento
digo o teu sofrimento extraordinário
como se fosse o meu teu sofrimento.

Eis Camões redivivo na palavra de glória de Martins Napoleão.


TITO FILHO, Arimathéa. A poesia de Martins Napoleão. IN: NAPOLEÃO, Martins. Folhas Soltas ao Vento. Teresina: COMEPI, 1980. p. 229-235.

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Clidenor Freitas reuniu neste livro trabalhos de natureza vária - a mensagem espiritual e afetiva dirigida aos filhos no dia em que concretizava a idéia e o sonho de dotar Teresina com moderno sanatório de tratamento e repouso - e na carta corajosa condena o dinheiro como finalidade e destinação da vida. Estuda também as raízes históricas do latifúndio, em depoimento de erudição; considera que o nacionalismo se apóia sobre bases psicológicas; faz critica literária no melhor estilo; narra as virtudes de estadista de José Antônio Saraiva, o fundador de Teresina; demonstra que a crise do homem moderno tem relação com o processo comunicativo da televisão; expõe sobre a ciência da imunologia novas idéias; - acrescenta a essas seguras lições de sabedoria artigos de jornal, valiosos como fisionomia de uma sociedade que agoniza afundada nos seus próprios erros e contrastes.

Este livro, editado pela Academia Piauiense de Letras, homenageia a passagem dos 441 anos do nascimento de Miguel Cervantes Saavreda, o genial criador do Dom Quixote, o livro que resume a lição das mudanças sociais, de crítica aos costumes e dos conselhos da experiência objetivo em favor do homem.

No autor não se encontra somente o cientista. Nele se alteiam também sentimentos de apurada sensibilidade, bom gosto, linguagem simples, mas castigada de asseio, elegante, como soem cultivar bem o vernáculo os doutores na arte de curar os males do corpo e do espírito.

Numa existência de lutas contínuas em benefício coletivo, Clidenor nunca esqueceu os deveres de alimento dalma, a leitura, que lhe doura e incentiva a inteligência, para conceber e criar - assim da forma que a vida, para ele, se torna bruta e intolerável quando não tocada pela imaginação.

Estas páginas constituem documento crítico e literário, - um documento revelador de incontestável cultural humanística - a amplitude, a profundidade e o sentido das belas letras que ele tem cultivado.


In, FREITAS, Clidenor. Ideologia e Circunstância. 2 edição, Teresina: Academia Piauiense de Letras / Projeto Petrônio Portella, 1988. p. 185.