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sábado, 3 de dezembro de 2011

ANÍSIO BRITTO: UMA NOVA CONCEPÇÃO DA HISTÓRIA

São dezesseis anos de presidência da Academia Piauiense de Letras. Dezesseis anos de rememorar aqueles que se foram e que, com o passar do tempo, atingiram os 100 primeiros anos de vida se vivo fossem. Assim fizemos com Antonino Freire, com Abdias Neves, com Pedro Brito, com Matias Olímpio... E já em 1987, outros membros da Academia se encontrariam na mesma idade, como José de Arimathéa Tito, Zito Batista, Esmaragdo de Freitas e Sousa, Celso Pinheiro. De verdade, é necessário que se rememorize o que esses homens gravaram na gratidão do seu Piauí. O ano passado procuramos D. Carlota de Brito Melo, a fim de que ela nos fornecesse os principais trabalhos históricos de Anísio Brito. Por uma desconfiança natural, a desconfiança de que nós não restituíssemos as coleções de jornais, os exemplares únicos deixados pelo esposo, Carlota nos recusou o obséquio. E nós lhe aprovamos a atitude justificada pelo receio de não receber de volta a produção histórica de Anísio de Brito Melo. Mas, aproximando-se o centenário do notável conterrâneo, fizemos levantamento quase completo de seus traços biográficos, dos cargos exercidos, dos serviços prestados ao Piauí e da sua produção histórico-educacional. Mandamos este humilde trabalho ao Governador Bona Medeiros, ao Presidente da Assembléia Legislativa e especialmente ao Deputado Ribeiro Magalhães, conterrâneo do saudoso escritor. Enviamos o trabalho ao Presidente do Tribunal de Justiça e especialmente ao Desembargador Manfred Cerqueira, nascido em Piracuruca - a mesma terra natal do homenageado. Enviamos esse resumo à Secretaria de Cultura, a Colégios, à Universidade, a todos os instrumentos de divulgação de massa de Teresina: jornais, rádios, televisões. Anísio deveria receber dos piauienses as homenagens que a sua memória reclama e merece. Anísio de Brito chegou a Teresina, vindo da modestíssima cidade de Piracuruca, onde exercia funções profissionais de dentista, nos primeiros tempos deste século. Pretendia tentar a vida na Capital, de mais horizontes, de mais conforto, de mais rentabilidade no exercício profissional. E em chegando a Teresina encontrou um ambiente de efervescência de idéias, um ambiente de renovação intelectual, pelo qual foram responsáveis Higino Cunha, Clodoaldo Freitas, Anísio de Abreu, Abdias Neves. Justamente os bacharéis que vinham modificados no seu espírito e na sua inteligência pela famosa e ainda discutida Escola do Recife, com os seus pontífices maiores: Tobias Barreto e Sílvio Romero. Neste ambiente de pregação naturalista, anticlericalista, ambiente de ateísmo confessado, neste ambiente, Anísio recusaria os instrumentos do odontólogo e aderia a conceitos novos e seguia outros caminhos. Tornou-se professor. Ascendeu à direção do Colégio Estadual, na época Liceu Piauiense. No governo João Luís Ferreira, diretor da Instrução Pública. Mantido por Matias Olímpio, depois reconduzido por Landri Sales e finalmente sustentado por Leônidas Melo. Quatro vezes no cargo hoje correspondente a Secretario de Educação. Realizou reforma do ensino, abdicou dos métodos de Lancaster adotados na escola primária. Realizou modificações na educação física, contratando técnicos do sul para este mister nas escolas secundárias do Piauí. Inaugurou o gosto do canto orfeônico e só deixou a paixão pelos motivos educacionais quando Leônidas de Castro Melo lhe entregou tarefas que antes já havia exercido, as tarefas de organizar, dirigir, orientar a Biblioteca, o Arquivo e o Museu Histórico do Estado. Três instrumentos culturais que foram paixão permanente do seu espírito. Pena é que os tempos futuros lhe desmanchassem a obra, separando o Arquivo, a Biblioteca e o Museu, como se as três não fossem peças do mesmo processo, o mesmo processo de busca da verdade. Mas, senhores, seremos resudos sobre Anísio Brito. Desejamos levantar sobre ele questão nova, ainda não analisada, para revelar que Anísio Brito foi possivelmente o único, o verdadeiro, o exclusivo historiador científico do Piauí, aquele que serviu de luz, aquele que serviu de farol a todos os outros que lhe sobrevieram, porque em Anísio de Brito está a verdadeira teoria da revisão da história do Piauí. História com a verdade. Não é possível separar a verdade da história, nem a história terá bases falsas. As bases da história serão científicas do contrário existirá a anti-história, a negação da história. Quatro aspectos da vida social e política do Piauí absorviam a inteligência e a procura da verdade por parte de Anísio. Quatro assuntos sobre os quais talvez até hoje não se tenha chegado a decisão final. A primeira diz respeito ao desbravamento da terra. Domingos Jorge Velho esteve no Piauí? Se Domingos Jorge Velho esteve no Piauí a quem cabe a prioridade do desbravamento do Piauí? A Domingos Mafrense ou a Domingos Jorge Velho? Ainda hoje a polêmica se sustenta. Ainda hoje se discute a presença ou a ausência do paulista. Ainda hoje se entrechocam afirmações sobre se Mafrense aqui penetrou em primeiro ou segundo lugar. Ou se o segundo lugar ou primeiro coube ao paulista. O visconde de Porto Seguro, uma das mais notáveis afirmações da historiografia e da histologia brasileira, sustenta que Domingos Jorge Velho nunca colocou a bota em território piauiense. Barbosa Lima Sobrinho escreveu obra de fôlego sobre a contenda e nela conclui que é absolutamente inverídico que o bandeirante haja pisado o território por ele escolhido para a sua riqueza - o território do Poti. Antônio José de Sampaio, extraordinário Sampaio que sonhou com o Piauí industrializado, ainda no século XIX, admitiu que os dois vieram a esta terra, mas Mafrense chegou em primeiro lugar. Abdias Neves segue o mesmo roteiro. Ambos enriqueceram o Piauí, ambos mataram o índio no Piauí. Mafrense chegou em primeiro lugar. Anísio pesquisou, quis a verdade e concluiu que a prioridade da presença no Piauí pertence ao bandeirante, pertence a Domingos Jorge Velho. Mafrense chegaria depois. E a afirmativa se baseia na pesquisa séria, honesta, severa. É que o movimento das bandeiras no Brasil precedeu, foi anterior ao movimento praticado pelos criadores de gado. Refutou Alencastre, refutou todos os outros e admitiu não a sua verdade, mas a verdade cientifica apoiada sobre as lições da história. Admitamos que Anísio Brito inaugurou no Piauí aquilo em que ninguém havia pensado, a história genética, a história revisionista, história desprovida e destituída de fantasia. A segunda questão levantada por Anísio Brito, uma questão que envolve a natureza provinciana de comunidades piauienses. É que aqui se chocam os parnaibanos com os oeirenses. 19 de outubro ou 24 de janeiro a data da Independência do Piauí? É verdade que quase todos os historiadores asseguram que a Independência é aquela que figura no brasão - 24 de janeiro de 1823. Mas, em 1937, pouco antes, alguns meses antes do famoso Estado Novo de Getúlio Vargas, quando, ainda funcionavam as Assembléias Legislativas, por inspiração de Anísio Brito, o deputado José Auto de Abreu propôs a primazia aos parnaibanos, fixando o dia 19 de Outubro como a data da Independência do Piauí. Com quem a verdade, meus senhores? Com a argumentação de Anísio Brito, sempre baseado no ensinamento da história? Porque a história possui causas e conseqüências, não pode basear-se na fantasia humana! Com quem a verdade? Com Anísio Brito, inspirador de José de Abreu, que deu aos parnaibanos a primazia, embora estes se refugiassem no Ceará e não tivessem a sustentação popular para tornar vitorioso o movimento. O comandante das Armas de Portugal se aproximava com 1.000 soldados e peças de artilharia. Argumenta Anísio Brito com as causas provocadoras dos fenômenos históricos. Se os parnaibanos não dessem o grito de Independência a 19 de Outubro, quando não se sabia se D. Pedro I havia pronunciado a Independência às margens do Ipiranga, Fidié continuaria em Oeiras, obediente às ordens de D. João VI, para manter-se no Piauí a qualquer custo porque Portugal queria criar o Estado do Grão-Pará, com as riquezas do Pará, do Maranhão e do Piauí. A riqueza do gado, do gado que era dinheiro, o gado que valia mais do que a própria moeda, o gado como mercadoria única e importante para sustentar o norte e sustentar sul. Ainda se discute se os parnaibanos têm a glória ou se a glória cabe aos oeirenses. E um dos governadores do Piauí, inspirado em documento assinado por cinco historiadores e um leigo no assunto, quis estabelecer o Dia do Piauí a 24 de Janeiro. O fato é recente, o fato é de agora, e Parnaíba se rebelou, inclusive levantando na zona urbana da cidade forcas para que os autores da idéia pagassem o crime de revolver a história. Outro ponto, sobre que Anísio Brito colocou as suas idéias, está na Balaiada. Todos os compêndios de história do Brasil apontam os balaios como criminosos, assaltadores, ladrões. Anísio Brito, calmo como devem ser os que pesquisam, buscou a verdade histórica e provou com seriedade que os balaios eram vítimas de prepotências do governo imperial, e encontrou apoio num documento que o visconde da Parnaíba despachou para o Ministério do Império. Daí a revolto do negro Raimundo Gomes, uma revolta cívica contra o homem abandonado e espoliado, contra o homem que viva sem terra, sem instrução, vendo apenas desde o amanhecer até o anoitecer a fome aviltante da família. E as circunstâncias permanecem ainda um século depois de ter vindo ao mundo Anísio de Brito Melo. Hoje se faz a justiça que lhes fez 40 ou 50 anos passados Anísio Brito de Melo. A mesma justiça que se faz hoje a Antônio Conselheiro, criador de uma república no interior da Bahia, um sindicato rural pra obrigar que os senhores da terra pagassem salários pelo menos condignos aos explorados na terra do cacau. Depois da justiça aos balaios, Anísio quis que se estudasse a vida, os costumes, a coragem, a dedicação de um homem que durante 20 anos governou a Província com mão de ferro, mas com espírito da ordem para fazer que o Piauí mantivessem a sua independência e vencesse os movimentos contra a sua autoridade e contra a chefia da Província pelo seu partido dominante - que era ele próprio. Pediu justiça para o visconde. E a justiça foi feita. Hoje se reconhecem que o visconde da Parnaíba representa dos mais extraordinários governantes do Piauí. Se tinha defeitos, eram os defeitos que a sua época reclamava. Mas soube governar, e governou com o espírito lúcido a ponto de, quando lhe disseram que José Antônio Saraiva mudaria a capital para uma nova cidade criada as margens do Parnaíba e duvidaram que o fato se praticasse, o visconde, com lucidez, disse: "Ele leva a Capital de Oeiras para a nova cidade porque tem o poder na mão! e ai dos que têm o poder na mão! Fazem o que querem". Pois senhores, Anísio Brito fez escola, fez a revisão da história do Piauí, e os seus discípulos verdadeiros aí se encontram seguindo as lições do mestre estudioso, porque formou cultura com as lições da pesquisa, e da ciência. Fez-se a revisão da nossa história. Monsenhor Chaves, Odilon Nunes, Esmaragdo de Freitas, Hermínio Conde... Os discípulos lembram sempre o mestre. Embora Anísio esteja um tanto esquecido dos que foram ingratos com a sua memória, com a sua inteligência penetrante, ele enriqueceu e preservou o repositório das nossas tradições, revisando os fatos da história do Piauí, presente aqui na lembrança do seu espírito público e falará sempre à posteridade sobre a nossa história.


A. Tito Filho, Revista Presença, Teresina, nº ?, 1986, p. 22-24.

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