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quinta-feira, 24 de maio de 2012

A. TITO FILHO, um imortal

Teresina acaba de perder um filho que a amou intensamente. Tito Filho, que a cantou em prosa e verso, legou esse bem-querer as suas filhas ao testemunhar seu grande afeta a terra amada em seu livro TERESINA MEU AMOR, em que diz: "Mimosas filhinhas, nascidas em Teresina, com um pedido de coração: nunca deixem de amar esta cidade".

Partiu Tito Filho, deixando o Piauí órfão de uma inteligência das mais fulgurantes, legando assim aos pósteros vasta produção literária para pesquisadores e estudiosos da cultura piauiense.

Sua passagem terrena, sem ter como objetivo maior os bens materiais, foi assinalada pelo dedicação abnegada à família, às letras e também à preservação dos amigos. Ao deixar nosso convívio, certamente estará partilhando da companhia da mãe Nize, de quem Deus o separou em tenra idade, e do pai, em cuja companhia cresceu com desvelo e bons exemplos. Não será mais o serzinho gentil, de quem o pai falou ao despedir-se da companheira querida, mas um espírito de luz na glória dos bem aventurados:

"Parece sozinho... Mas ficou no mundo
Um serzinho gentil, rebento santo
De nosso amor grandíloquo e profundo

Deus te guarde no céu, morta querida,
como nosso filhinho guarda o pranto,
- Sinal eterno de eternal ferida".

Também com minha cidade, Tito Filho manteve laços de afetividade, dado que seu pai, em segunda núpcias, casou-se com moça de Piripiri, dona Edite Rezende. Menino, por lá passou férias, lembradas assim por ele: "Nas ruas e praças de Piripiri, brinquei peralta, com meninos do meu tope, quando passava férias em casa do velho Bugi, pai de minha madrasta Edite Tito. Sou intenso admirador de Piripiri, lugar cujos bons amigos meus são muitos" (Livro O Reconhecimento - Prefeitura Municipal de Piripiri - 1988).

Guardo do saudoso mestre exemplos dignificantes de competência e simplicidade. Fui seu aluno na antiga Faculdade de Filosofia do Piauí, onde lecionava Português com absoluto domínio da matéria. Pelos caminhos da vida, perdi, por alguns, contato com o emérito professor Arimathéa Tito. Há dois anos, porém, voltei a encontrá-lo por ocasião do lançamento no Piauí, de meu modesto livro O Ponta-de-Rama, sobre o qual fez generoso comentário na imprensa de Teresina, certamente como incentivo ao autor.

Na Academia Piauiense de Letras, de que era presidente, pude testemunhar o trabalho inteligente e profícuo que ali realizava em favor daquele sodalício, contando ainda com a colaboração atenta da esposa Delci, além, é do "Livro do Mês", promoção da academia recebo também a publicação mensal "Notícias Acadêmicas", em cuja leitura, de vez a vez, pressinto o estilo sério, atual e corajoso do pranteado amigo.


Por Fabiano Melo. In: O Dia, Teresina, 16.17.18 agosto 1992. p. 4

terça-feira, 1 de maio de 2012

DULCÍLIA E CRISTINO

Cristino Castelo Branco escreveu no seu livro "Frases e Notas" o seguinte: "A 17 de janeiro de 1914, casei-me com minha prima Dulcília Santana Castelo Branco, órfã de pai e mãe, sem bens de fortuna, mas rica de virtudes e de beleza". O admirável homem de letras que ele foi e faleceu em 1983, com mais de noventa anos. Ela, mulher de profundos sentimentos de pudor e de dignidade, deixou este eterno vale de lágrimas em novembro de 1987. Viveram juntos os dois, na mais completa harmonia, honrando a família e a sociedade, nada menos do que quase setenta anos, dos quais vinte e cinco nesta hoje atormentada Teresina e o restante na cidade do Rio de Janeiro, para onde o casal, com os filhos, se mudou no distante 1939.

Jurista e escritor ilustre, Cristino advogou na capital piauiense, conceituado e brilhante, interrompendo a carreira em 1917 para assumir o Juizado de Direito do Brejo dos Anapurus, no Maranhão, e lá se demorou até novembro de 1919, e de regresso à sede do Governo piauiense reabriu o escritório de advocacia. No período em que esteve como juiz, fundou-se a Academia Piauiense de Letras, razão por que ele, dos mais aplaudidos poetas, oradores e jornalistas do seu tempo, deixou de figurar entre os dez fundadores. De cultura jurídica invulgar, quando se reorganizou a justiça do Piauí, logo após a revolução de 1930, o governante do tempo convocou-o para compor o Tribunal de Justiça, que ele engrandeceu, aposentando-se em 1939, quando legou à história do Poder Judiciário nome imaculado, exemplo de labor e de retidão.

Dulcila foi mãe de Carlos Castelo Branco, o jornalista de fama internacional, pertencente à Academia Brasileira de Letras e o substituto do pai na Casa de Lucídio Freitas, e sogra de Waldir Gonçalves, historiador de mérito, mestre da mocidade, casado com uma senhora de personalidade inatacável. Outros filhos alegraram o lar agora vazio das duas maravilhosas criaturas que o construíram alguns meses antes da primeira guerra mundial que manteve quatro anos de sangueira por toda parte.

Uma vez escrevi que Cristino teve velhice de serenidade, pois ao longo dos anos nunca se desviou para a inveja, para o ódio, para as veredas das ambições vulgares, para fugir ao trabalho e ao cumprimento do dever. Homem-padrão, no mais amplo sentido do termo, caráter límpido. Os seus escritos revelam o homem reto, o homem cívico, o homem que viveu satisfeito com a consciência. Escreveu, ensinou e educou. Construiu obra literária vigorosa, alteada por conhecimentos profundos expressos com asseio de linguagem, num estilo de encantadora simplicidade. Honrou as letras jurídicas nacionais com quatro trabalhos e publicou obras de valor no campo da literatura, especialmente os magistrais ensaios sobre Rui, Pedro Lessa, Lucídio Freitas, Clodoaldo Freitas, Da Costa e Silva, Salvador e Lúcio Mendonça, Tobias Barreto, Sílvio Romero, Bilac e Clóvis Bevilaqua. Pertenceu à Academia Piauiense de Letras, cadeira de número quinze.

Certa vez, quando Cristino completou noventa anos de idade, perguntei o segredo da serenidade desse homem de virtudes singulares. E respondi que o seu segredo estava no cumprimento do dever para com a humanidade, perfumando-a, como ele disse dos homens justos e bons. Hoje acrescento que o segredo da serenidade de Cristino, numa velhice de glória, se deveu também à extraordinária companheira durante quase setenta anos, num lar que ambos fizeram, com afeto, estima e sobretudo respeito mútuo e capacidade de doação, nas alegrias como nos dias de lutas e sacrifícios. Dulcila honrou a família e conseqüentemente soube ser fiel ao seu destino de esposa e mãe verdadeira.

Por A. Tito Filho

In: Cristino, Vida Exemplar. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 1992. p. 88-89