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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

P2

Na meninice vadia, em 1931, comecei a freqüentar o 4 de Setembro, transformado em cinema. Novembro daquele ano, Alfredo Ferreira, velho e bom amigo que o segredo da morte arrebatou, inaugurava o filme falado no velho casarão da atual Praça Pedro II. Se me lembro e quanto dos famosos seriados, dos primeiros filmes de Tarzan, dos terríveis padecimentos daquele que a imaginação de Dumas transformava no rico, poderoso e vingativo conde de Monte Cristo, - e parece que ainda se fixam na memória, com nitidez espantosa, as gags de Oliver Hardy e Stan Laurel (o Gordo e o Magro) e o humorismo permanente do home que não ria, Buster Keaton. Heróis e heroínas da infância, da adolescência e da mocidade, dum tempo que o tempo sepultou mas impossível que a lembrança possa sepultar.

Bem vivas as recordações dos dias em que o castigo paterno recusava o dinheiro semanal da diversão. Que fazer? Bolsos vazios, surgiria o moleque, igual aos outros pela mesma forma personificados: falta dos tostões para o reencontro dominical com artistas e bandidos cinematográficos de Hollywood. O jeito estava em varar o cinema e varar correspondia a atitudes de acrobata do circo: a gente saltava a grade de ferro do 4 de Setembro. Chegava-se a área arborizada. Daí à parede lateral eram poucos passos - e subia-se coma  ajuda das saliências da construção até atingir as janelas do andar superior - sempre abertas por necessidade de ventilação - e facilmente se transpunha a grade. O cinema adquiria mais um freqüentador sem pagamento dos 1$100 (mil e em réis) de entrada. Tempo bom da meninice irresponsável.

Alfredo Ferreira, o proprietário, mantinha fiscais para surpreender os varadores, e estes, quando pegados com a boca na botija, eram expulsos pela porta principal.

Mas como sucedia, às vezes, de modo diferente, pois eu tenho madrinha de excelsa bondade, justamente a madrinha que se encarregava, alguns instantes da porta de entrada dos freqüentadores - D. Farisa, esposa de Alfredo Ferreira, coração de afeto e de virtude. Pois quando me surpreendiam em varação e me levavam a saída, D. Farisa, quase a piscar-me um dos olhos, atestava:

- Esse, não. Pagou a entrada. Eu vi.

Quando na portaria não se encontrava D. Farisa, o jeito era deixar o cinema.

Foi no 4 de Setembro que um morenão bonito, de cabelos negros, seios empinados, sem sutiã, me iniciou, nas práticas amorosas de bolinação de virgem.

E ainda no 4 de Setembro assisti, no governo Leônidas Melo, a notáveis representações teatrais - e muito me recordo da companhia de Álvaro Pires, que o governante trouxe do Rio de Janeiro para divertir e educar a comunidade teresinense.

Dia 26 de dezembro de 1974, assumi as funções de Secretário da Cultura do Piauí, a dois meses e dias do término da administração do engenheiro Alberto Silva. Participei, assim, oficialmente, da reinauguração do 4 de Setembro - com muita alegria, pois 4 de Setembro vive no meu espírito como integração de três fases da vida - infância, adolescência e mocidade.

A. Tito Filho. In: P2: Praça Pedro II, dos anos 30 à década de 90 

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