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terça-feira, 1 de maio de 2012

DULCÍLIA E CRISTINO

Cristino Castelo Branco escreveu no seu livro "Frases e Notas" o seguinte: "A 17 de janeiro de 1914, casei-me com minha prima Dulcília Santana Castelo Branco, órfã de pai e mãe, sem bens de fortuna, mas rica de virtudes e de beleza". O admirável homem de letras que ele foi e faleceu em 1983, com mais de noventa anos. Ela, mulher de profundos sentimentos de pudor e de dignidade, deixou este eterno vale de lágrimas em novembro de 1987. Viveram juntos os dois, na mais completa harmonia, honrando a família e a sociedade, nada menos do que quase setenta anos, dos quais vinte e cinco nesta hoje atormentada Teresina e o restante na cidade do Rio de Janeiro, para onde o casal, com os filhos, se mudou no distante 1939.

Jurista e escritor ilustre, Cristino advogou na capital piauiense, conceituado e brilhante, interrompendo a carreira em 1917 para assumir o Juizado de Direito do Brejo dos Anapurus, no Maranhão, e lá se demorou até novembro de 1919, e de regresso à sede do Governo piauiense reabriu o escritório de advocacia. No período em que esteve como juiz, fundou-se a Academia Piauiense de Letras, razão por que ele, dos mais aplaudidos poetas, oradores e jornalistas do seu tempo, deixou de figurar entre os dez fundadores. De cultura jurídica invulgar, quando se reorganizou a justiça do Piauí, logo após a revolução de 1930, o governante do tempo convocou-o para compor o Tribunal de Justiça, que ele engrandeceu, aposentando-se em 1939, quando legou à história do Poder Judiciário nome imaculado, exemplo de labor e de retidão.

Dulcila foi mãe de Carlos Castelo Branco, o jornalista de fama internacional, pertencente à Academia Brasileira de Letras e o substituto do pai na Casa de Lucídio Freitas, e sogra de Waldir Gonçalves, historiador de mérito, mestre da mocidade, casado com uma senhora de personalidade inatacável. Outros filhos alegraram o lar agora vazio das duas maravilhosas criaturas que o construíram alguns meses antes da primeira guerra mundial que manteve quatro anos de sangueira por toda parte.

Uma vez escrevi que Cristino teve velhice de serenidade, pois ao longo dos anos nunca se desviou para a inveja, para o ódio, para as veredas das ambições vulgares, para fugir ao trabalho e ao cumprimento do dever. Homem-padrão, no mais amplo sentido do termo, caráter límpido. Os seus escritos revelam o homem reto, o homem cívico, o homem que viveu satisfeito com a consciência. Escreveu, ensinou e educou. Construiu obra literária vigorosa, alteada por conhecimentos profundos expressos com asseio de linguagem, num estilo de encantadora simplicidade. Honrou as letras jurídicas nacionais com quatro trabalhos e publicou obras de valor no campo da literatura, especialmente os magistrais ensaios sobre Rui, Pedro Lessa, Lucídio Freitas, Clodoaldo Freitas, Da Costa e Silva, Salvador e Lúcio Mendonça, Tobias Barreto, Sílvio Romero, Bilac e Clóvis Bevilaqua. Pertenceu à Academia Piauiense de Letras, cadeira de número quinze.

Certa vez, quando Cristino completou noventa anos de idade, perguntei o segredo da serenidade desse homem de virtudes singulares. E respondi que o seu segredo estava no cumprimento do dever para com a humanidade, perfumando-a, como ele disse dos homens justos e bons. Hoje acrescento que o segredo da serenidade de Cristino, numa velhice de glória, se deveu também à extraordinária companheira durante quase setenta anos, num lar que ambos fizeram, com afeto, estima e sobretudo respeito mútuo e capacidade de doação, nas alegrias como nos dias de lutas e sacrifícios. Dulcila honrou a família e conseqüentemente soube ser fiel ao seu destino de esposa e mãe verdadeira.

Por A. Tito Filho

In: Cristino, Vida Exemplar. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 1992. p. 88-89

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