A. Tito Filho
Durante cerca de dois séculos, a vida da família piauiense se passou no sertão, sob a autoridade incontestável do pai, chefe geral, a quem todos prestavam severa obediência, inclusive a mulher e a filharada de machos e fêmeas. Não tivemos, por causa da economia pastoril, a promiscuidade da senzala, nem o relho do feitor desalmado e impiedoso.
Durante cerca de dois séculos, a vida da família piauiense se passou no sertão, sob a autoridade incontestável do pai, chefe geral, a quem todos prestavam severa obediência, inclusive a mulher e a filharada de machos e fêmeas. Não tivemos, por causa da economia pastoril, a promiscuidade da senzala, nem o relho do feitor desalmado e impiedoso.
A fazenda representou o
centro de uma vida de trabalho pela sobrevivência, misturados brancos e pretos,
em liberal comunhão - e ambos se fundiram para produzir o vaqueiro. A natureza
tornou-se o clima e o pão de cada um. Comia-se de modo farto, tanto o alimento
de preceito, como o comum, no correr das semanas, todos muito condimentados e
gordurentos. Abusava-se no doce de variados tipos.
Os tempos correram e as
mudanças se fizeram vagarosamente. Cultivaram-se anos a fio os mesmos hábitos.
As mulheres de anáguas rodadas. Casavam-se cedo as sinhazinhas. Lentas, porém,
as transformações, impostas pelo caminhão a rasgar estradas derribando a mata.
Depois, o gramofone. O rádio e o rádio de pilha. Chegaria a vez das cenas
televisivas.
Maria Francisca Azevêdo, neste
CASARÃO, faz história social. Memoriza fatos e episódios e nos revela a vida
familiar interiorana mais ou menos da terceira década deste século aos dias de
hoje. Não esquece a riqueza econômica das palmeiras. Fixa retratos em linguagem
simples, ágil, que parecem filmes vivos de uma sociedade que a civilização
industrial sacrificaria para satisfazer poderosos interesses alheios.
A autora mostra o casarão
ou a casa-grande, a segunda e última etapa da evolução da fazenda, que perdeu
os proprietários e respectiva prole, atraídos pelos confortos das grandes
cidades, ao contrário dos seus antepassados. Também a fazenda desapareceu o
fausto e foi-se esplendor das épocas antigas.
Este livro constitui
retratos de um mundo perdido - um mundo de encanto, de fartura, de brincos
maravilhosos da infância e da adolescência. Passeios inesquecíveis, os banhos
nos córregos de águas límpidas, os bailes, as festanças de casamento, o pomar e
a varanda, os bichos do mato, os tipos humanos e os cenários da natureza opulenta
e dadivosa, os dias e as noites daquela beleza espiritual que convite no
coração da gente.
Retratos leais. Páginas e
páginas vivas que nos confortam e nos transmitem lembranças de um passado
melhor. Retratos sem retoque da forma que só o poder de observação e a memória
extraordinária sabem compor, para que, nítidos, evoquem troncos familiares, a
bondade dos pais e a vida feliz e alegre reinante no CASARÃO.
In: AZEVÊDO, Maria
Francisca. O Casarão: do Olho d'Água dos Azevedo. Teresina, 1986.
Nenhum comentário:
Postar um comentário