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sexta-feira, 1 de junho de 2012

UMA VIDA LONGA E ÚTIL

A 24 de julho de 1982, Cristino Castelo Branco inteirou noventa anos de idade. Qual o segredo desse homem? Aos noventa janeiros lúcido, sereno, tranqüilo, generoso, transbordante de virtudes morais, espirituais, intelectuais, rodeado de amizades, rico de afeto junto à constelação familiar - a constelação a que ele e a esposa deram exemplos edificantes nesta longa viagem terrena.

Cristina foi advogado, e creio que do advogado nasceu o juiz. Que faz o advogado? Examina fatos, interpreta a lei, para facilitar a missão do juiz. O juiz decide sobre aquilo que o advogado preparou pela discussão. Discutir fatos, com critério e inteligência - eis a primeira missão do profissional. Sem atitudes passionais - eis o recurso maior de discutir com seriedade. Discutir já insinua discordar - e o direito de discórdia, a coragem da discórdia, o dever da discórdia - com isto começa o homem consciente, começa a personalidade humana íntegra.

Cristino foi notável advogado. Também magistrado justo, uma das vozes incorruptíveis no Tribunal de Justiça do Piauí. Cultura jurídica invulgar. Modelo de julgador. As suas decisões sempre concretizavam a exegese sabiamente aplicada aos processos. Nunca se afastou do verdadeiro e do real, tanto nas normas da vida como nas superveniências da consulta individual em face das necessidades coletivas. Aposentou-se, entregando a história do Poder judiciário do Piauí nome imaculado, exemplo de labor e de retidão.

Velhice de serenidade - dele Odylo Costa, filho, quando o elogiado completou setenta anos. Aos oitenta anos dessa velhice Odylo diria da mesma forma. Por que a serenidade? Qual o seu extraordinário segredo? Porque ao longo dos anos Cristino nunca se desviou para a inveja, para o ódio, para as verdades das ambições vulgares, para fugir ao trabalho e ao cumprimento do dever. Homem-padrão, no mais amplo sentido do termo.

Ao lado do caráter límpido e admirado, do jurista de elevado conceito - o poeta e o prosador, cujos escritos revelam o homem reto, o homem cívico, homem que deve, depois de colocar a mão sobre a consciência, estar satisfeito com o que tem praticado na vida. Anos a fio escrevendo, ensinando, educando, para construir obra literária vigorosa, alteada por conhecimentos profundos expressos com asseio de linguagem, num estilo de encantadora simplicidade. Dele a lição ou a observação: "Os que desdenham o conhecimento da língua não são sinceros. Só erram, só escrevem errado, por ignorância. apanhados em erro, apontados em erro, irritam-se, deblateram".

Parece que a cabeça de Cristino continua sem preguiça. Entre os oitenta e noventa anos continuava escrevendo e lúcido permanece na paz de sua vida. Honrou as letras jurídicas nacionais com quatro trabalhos: "Codificação Processual", "Razões de Advogado", "Pareceres de Procurador Geral", "Decisões Jurídicas". Como trabalhos literários publicou: "Homens que iluminam" - magistrais análises de Rui, Pedro Lessa, Lucídio Freitas, Clodoaldo Freitas, Da Costa e Silva, Salvador e Lúcio Mendonça, Tobias Barreto, Silvio Romero, Bilac e Clóvis Bevilaqua. "Frases e Notas", "Sonetos" e "Escritos de Vário Assunto".

A 24 de julho último, num lar tranqüilo da rua Genserico Vasconcelos, no Engenho Novo, bairro da mui leal cidade do Rio de Janeiro, cercado da família, que o venera, Cristino perfez noventa anos. E a todos certa feita consagrou esta lição: "Poucos sabem ser velhos, dizem os franceses. Saibamos sê-lo. Sem tergiversações. Sem atitudes ridículas. Sem medo da vida humana tem o mesmo encanto do outro que contemplamos todas as tardes quando o dia se aproxima da noite. Há em ambos o mesmo tom de suavidade, de êxtase, de melancolia, que transfigura a natureza e transfigura o homem. O sol poente, desaparecendo para lá da montanha, não é mais impressionante que o homem, no alto da vida, despido das ilusões que se foram. Equivalem-se. A despeito disso, os velhos também têm futuro, um futuro radioso, um futuro eterno. O futuro dos velhos é a vitória dos filhos, a vitória dos netos. Mais que isto. O futuro dos velhos é a presença de Deus, que se avizinha".

Pertence Cristino a Academia Piauiense de Letras.

Qual o segredo da serenidade de Cristino? Simples: o cumprimento do dever para com a humanidade, perfumando-a, como ele disse certa vez dos homens justos e bons.


TITO FILHO, Arimathéa. Uma vida longa e útil. In: Cristino, vida exemplar. Organização: ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS. - Teresina: Júnior, 1992. p. 86-87

Um comentário:

  1. Amigo, meu avô, também piauiense, muitas vezes parafraseia Cristino Castelo Branco, com essa belíssima frase "Poucos sabem ser velhos...". Já havia buscado na internet muitas vezes, sem sucesso, a autoria de tal lição e fiquei muito feliz em encontrar aqui! Parabéns pelo blog. Um abraço. George

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